Boa parcela da população hoje em dia vive grande parte do seu tempo na Internet, seja trabalhando, estudando ou em seu lazer, e grande parte do desse lazer se provém dos jogos online, segundo pesquisa CONECTA de maio de 2016, 61% dos internautas jogam online, e levando em consideração dados do IBGE de 2014, são 95,4 milhões de brasileiros com acesso à internet.
Esta enorme concentração de pessoas, somada ao ambiente de competição e ao anonimato, geralmente é a equação perfeita para um resultado chamado “trash talk”. A prática é velha conhecida em ambientes esportivos conhecida por aqui como a famosa “catimba”. Dentro deste contexto, a prática acaba sendo aceita – mesmo indo contra todo o conceito pregado hoje em dia de fair play.
Em enquete feita via formulário Google, divulgada e distribuída no Facebook, com participação de 74 pessoas, 90% dessas já presenciaram a esta atitude. Quase 88% (87,8%) já sofreram diretamente com a prática, que é alimentada principalmente pelo anonimato, “[…] o anonimato e o espaço virtual acabam contribuindo bastante para esse tipo de comportamento e até mesmo encorajando a agressão e a violência. Pode-se dizer que faz parte do Cyberbullying”, diz a Psicóloga Especialista em Psicoterapia breve e em terapia cognitiva comportamental, Natalia Malini.
Ainda segundo a enquete, 73% das pessoas que responderam afirmam que a comunidade gamer dos jogos em questão sabem das consequências dessas atitudes. Sobre isso Natália afirma:
“Isso continua acontecendo porque é um ambiente mais difícil de se ter controle sobre, mesmo sabendo das consequências os usuários sabem que a maioria acaba saindo impune. Outra coisa que mantém, é o que chamamos na Psicologia Comportamental de “Reforçadores”. O comportamento continua porque existe algo que o reforça e esse reforço pode vir de várias formas. Como por exemplo: incentivo de outros jogadores, admiração, popularidade, entre outros.”
E com uma rápida e navegada na internet é fácil localizar este “culto” aos “mitos” que enaltecem esta atitude mais agressiva e tóxica online, jogadores que entram nas partidas e começam a atrapalhar propositalmente são apelidados de “trolls”, este perfil é muito conhecido na internet por fazer o mesmo, distribuir comentários ácidos em páginas, comentários de vídeos no YouTube, fóruns e etc. Tudo em busca de atenção.
Para lidar melhor com isso, Natália aconselha, “para quem joga online só se percebe esse tipo de atitude quando está acontecendo. Devido o grande número de jogadores e a fácil acessibilidade, fica difícil prever/evitar que se encontrem pessoas assim na sua partida. Acredito que a atitude mais assertiva seria não reforçar quem a perpetua. Como por exemplo: todos que se sentirem incomodados expressarem o quão desnecessário e ruins são essas atitudes, não só para quem a pratica mas para todos os envolvidos. Além das denúncias.” Em outras palavras “don’t feed the troll”, inúmeros jogos contam com ferramentas de “mutar” algum usurário, então se estiver passando por isso, apenas deixe o troll mudo e o report e seja feliz.
Clube do bolinha
Mesmo com a todo o movimento de igualdade de gênero, ainda existem campos dominados pelo sexo masculino, isto se reflete na nossa enquete, onde 74% dos que responderam são do sexo masculino. Mesmo sendo a maioria, as mulheres vem tomando seu espaço, e o número de jogadoras cresce a cada ano, segundo pesquisa Game Brasil 2016 elas representavam 52,6% do público gamer nacional, e todo esse movimento desperta o machismo e a misoginia de alguns jogadores:
“ O machismo também afeta os homens, e isso é reproduzido na sociedade o tempo todo, desde a infância. Sem perceber alguns homens sentem sua masculinidade ameaçada ao verem uma mulher que pode não só apenas fazer as mesmas coisas que eles, mas até mesmo melhor. Os jogos online são mais um ambiente onde o machismo é reproduzido, pois era tratado como um espaço quase exclusivo para os meninos. Sabemos que muita coisa mudou e até melhorou. Mas o caminho ainda é longo para as mulheres conseguirem ser tratadas com igualdade.” Diz a psicóloga.
E infelizmente, no caso delas, grande parte dos insultos não remetem especificamente ao jogo:
“[…] sim, sem motivo nenhum, é só ver o nick que começa são termos pesados ou ficam pedindo número, ficam dizendo que querem me conhece esquecem o game e partem para o assédio” diz uma vítima que não quis ter seu nome revelado, “até ameaça de estupro já recebi” continua ela.
Outra vítima dos abusos verbais fala da dificuldade da comunidade tóxica:
“Jogo League of Legends há um ano e meio mais ou menos, e é assustador como o comportamento tóxico é padrão nessa comunidade. E é bem triste pensar que grande parte dela é formada por garotos jovens que estão entrando na adolescência agora. Já presenciei todo tipo de trash talk, e faço minha parte denunciando, mas é interessante como os ataques não diminuem, e como a comunidade é tão absurdamente diferente de outros servidores”
A tipificação criminal utilizada em crimes virtuais é a mesma dos previstos no Código Penal, então em casos extremos guarde provas (print screens, links, vídeos, testemunhas, ips) e coisas do tipo para facilitar o trabalho das autoridades.