Resenha de Graphic Novel | Azul é a Cor Mais Quente

Sabe aquele filme que estava por todo lugar há um tempinho atrás, sobre duas garotas, uma delas de cabelo azul? Então. Ele foi inspirado na Graphic Novel Le bleu est une couleur chaude, escrita e desenhada pela francesa Julie Maroh.

Anos 90. Lille, França. Logo nas primeiras páginas já recebemos parte do peso da história: Clémentine morreu. Não me xingue, não é um spoiler! É a partir de sua morte que começamos a fazer parte de tudo. Através de uma carta deixada (cof cof COF P.S: Eu Te Amo) para sua esposa Emma, Clémentine nos apresenta seus diários, nos quais narrou toda a sua história, não só a de amor, mas a de amadurecimento, descobertas, inseguranças, negações e aceitações.

Azul não é só a cor mais quente, é a única cor que vemos nas lembranças compartilhadas de Clémentine e Emma, destacando o que realmente importa em seu passado em comum. O azul dos cabelos de Emma, o azul dos olhos de Emma… O azul da frieza, do estranhamento, se tornando o azul que acolhe, conforta, aquece.

Antes de filosofar, vamos lá: Aos 15 anos, Clémentine é como a maioria dos adolescentes: não sabe ao certo quem é, o que quer, pra onde vai. Aquele conflito com nós mesmos e com o mundo, tudojuntomisturado. Você já teve 15 anos, lembra como é. Eu era um porre aos 15 anos! Ok, eu sou até hoje. Mas ser adolescente é uma coisa chata. Essa situação já é um drama por si só, e quando Clémentine finalmente consegue entender seus desejos e como eles a formarão como pessoa, ainda temos o agravante da aceitação. Não só a dos outros, mas dela própria.

(não, essa não é a ordem original dos quadrinhos haha, só juntei 4 diferentes na imagem!)

Sem entender o porquê não conseguir se sentir como as outras pessoas,  sentir as alegrias e vontades em um relacionamento com um garoto, Clémentine se incomoda. E esse “incômodo” toma forma quando cruza com Emma. Mesmo de relance, a rápida troca de olhares entre as duas na travessia de pedestres é o suficiente para gravar a imagem da outra garota na mente de Clémentine. E essa imagem a “assombra”. A atenção de Emma por alguns segundos despertaram um interesse até então desconhecido para Clém, que por sua vez desperta a imediata incompreensão, medo e rejeição de tais pensamentos. Ela se sente perdida, sem ter com quem conversar sobre, com medo do preconceito e da rejeição.

Clém define que há algo diferente, novo, assustador. Tão intimidante que ela não tem coragem de desenvolver essa curiosidade e desejos a princípio, e muito menos de falar sobre isso com alguém. E é cerca de um ano depois que um segundo episódio ocorre. Uma amiga, enquanto comentava com Clémentine sobre outras garotas da escola e sobre a própria, a beija. E a reação de Clém é demais! Ela volta para a casa com um sorriso enorme, passa a noite em claro, ansiosa, feliz. “Nunca que eu vou conseguir dormir esta noite, meu coração parece que vai explodir! Eu quero tanto que amanhã chegue logo. O que eu esperava, finalmente, aconteceu.”

Não vou ser chata e contar o resto. Mas o que acontece aumenta ainda mais a pequena chama dentro de Clém, e ela já não pode esconder de si mesma o que sente. E isso a leva a uma conversa muito legal com seu amigo Valentin onde ela aprende um pouco mais sobre aceitar seus desejos, a entender o que acontece, tendo a chance de finalmente desabafar com alguém. Um pouco menos de um ano se passa até que Valentin a leva a uma balada gay. Mas os acontecimentos da noite e seus passos a levam até o outro lado da rua: um barzinho para o público lésbico. E quem ela encontra lá? quem??? QUEM???

Cabelos azuis! Emma. Ela parece reconhecê-la, mas em outro momento da história dá a entender que ela só a reconhece mais tarde, fiquei confusa. Enfim, o importante é que Emma se aproxima de Clém, mesmo tendo namorada. E ali tem início a amizade das duas. Na verdaaade, as duas se enganam que é só amizade por muito tempo, pra evitar as consequências de suas escolhas. Há uma afinidade imediata, uma atração mútua, desde o primeiro instante. E logo no começo da amizade, quando Emma vai visitá-la na escola e suas amigas a julgam por andar com uma lésbica. Para elas, é uma indecência, uma perversão, uma doença. E consequentemente é como Clementine acaba se sentindo, mais uma vez se fechando em suas dúvidas, receios e medos. A raiva e a negação, a frustração que acaba sendo descontada em Emma. E aí vem outra conversa muito legal! 🙂

E é aqui que, para mim, a história realmente começa. Onde a luta de Clémentine em aceitar a si mesma ganha proporções extras, mesmo com toda a certeza de seus sentimentos por Emma. E Emma que, por sua vez, não está pronta para largar tudo por alguém que nunca pensou na possibilidade de se assumir. Essa amizade maquiada é confortável e conveniente para não enfrentarem de vez suas decisões, mas começa a se tornar insuportável para ambas. A decepção de Clémentine em não conseguir refrear nem suprir seus sentimentos, e o medo de Emma em se entregar a alguém que a abandone depois, quando a “curiosidade” passar. É quando ela decide parar de esperar tanto pelas coisas acontecerem para não ter que se responsabilizar por suas ações que ela dá um grande passo em direção à felicidade de ambas.

Claro que como é de se esperar, elas ficam juntas. Mas é difícil. Aliás, tudo foi muito difícil entre as duas. Se apaixonar, o mais importante, foi fácil. Mas a falta de coragem as leva para mais um tempo sem assumir o romance, pela culpa de Emma em terminar com a namorada para ficar de vez com Clém. É doloroso ver o quanto as duas se atrapalham em meio a tanto sentimento, sem saber ao certo o que fazer com ele. Mas é lindo ver como juntas, vão tentando chegar a algum lugar, com os meios que podem.

Não bastassem as dificuldades e conflitos da aceitação perante a sexualidade, há os problemas próprios de qualquer relacionamento, que são apresentados e tratados com delicadeza e realidade. Como aprendemos em Closer, o amor nunca é suficiente. Há a insegurança, a angústia em depender de outra pessoa, não se bastar em si mesmo. A busca por aceitação e o constante medo da rejeição. A alegria e o peso da cumplicidade, a luta em se entregar e deixar-se pertencer ao outro, sem proteções e orgulho, completamente vulnerável. A falta de compreensão diante a grandeza do sentimento, e o poder do outro sobre o que nos fazer sentir. A vontade de agradar, e por medos, falhar. Onde encontra-se consolo, aceitação e confiança há também a suspeita, incompreensão, solidão. O amor, por melhor que seja, vez ou outra dói. Inexplicavelmente.

Tudo isso causa uma pressão muito grande sobre as duas, que acabam se perdendo em algum ponto entre o amor e as consequências dele. Não somos perfeitos. E o que falta, na maioria das vezes, é a comunicação. No caso de Emma e Clémentine, há a necessidade não suprida de realmente entender as dificuldades enfrentadas por ambas, e os descontentamentos e confrontos que isso causa.

Em paralelo a história das duas, também nos é mostrada a história de Emma depois da morte de Clémentine. De como ela ainda tem que enfrentar o preconceito irracional do pai de Clém, além da dor da perda e da culpa. É impactante parar para pensar em quantos “pais da clém” existem por aí. Em quantas alegrias são condenadas como torturas por serem sentidas.

E o filme? Eu não gostei, não tanto quanto a graphic novel. No filme, o nome Clémentine foi substituído por Adèle, o nome da atriz que a interpretou. Mas não foi só o nome que mudou, para mim é uma personagem completamente diferente. Senti uma descaracterização da personagem. Adèle não conseguiu me passar o esforço, a luta de Clém em aceitar a si mesma, os conflitos internou que sofreu, o amor que sentiu. Clémentine é um desenho, que conseguiu ser, PARA MIM, muito mais expressivo do que a atriz, que não me passou emoção nenhuma. Não me julguem, o filme foi muito bem aplaudido pela crítica, foi bem polêmico… Mas minha antipatia com a Adèle foi imediata. Principalmente pelo detalhe de ela mastigar de boca aberta! Hahahahah! Juro, essa bobeira me incomodou demais. Sou tonta a esse ponto. E também achei que o filme deixou partes importantes de lado para apelar em outros aspectos. Não foi uma escolha completamente ruim, foi impactante, e deu resultado. Mas eu senti falta de muitos aspectos deixados bem claros na graphic novel. Talvez minha indisposição inicial com a atriz tenha atrapalhado o julgamento. Vou assistir de novo daqui um tempo, e ver se agrego opiniões mais positivas. É sempre assim, só vou entender tudo e gostar de verdade lá pela terceira vez que assisto. Depende muito da época, da atenção que consigo depositar no filme, das percepções do momento.

Azul é a Cor Mais Quente é uma linda e trágica história sobre o amor, em todas as suas formas. Dessa vez, a culpa não é das malditas estrelas. A culpa é da ignorância, da intolerância. Da incapacidade de entender o amor como um sentimento livre, involuntário e independente de gênero.

Obrigada pela lição, Julie Maroh. Foi uma leitura comovente, real, bela, triste, sensível, intensa e impactante. Sim, tudo isso e mais um pouco. <3

Reflitam, nerds.  🙂

Nerd: Evelyn Trippo

I just have a lot of feelings, e urgência em expressá-los. Tradutora (formação e profissão), aspirante a escritora e estudante de projetos em games. Pára-raio de nerds, exploradora de prateleiras em sebos e uma orgulhosa crazy pet lady.

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