Poucos filmes são como Réquiem Para Um Sonho e dificilmente a pessoa vai sair do filme da mesma forma que entrou: são cerca de 100 minutos de uma viagem alucinógena na mente de uma pessoa que ingeriu entorpecentes.
Não espere sutilezas nem mensagens de superação ou otimismo, pelo contrário, é uma viagem só de ida ao inferno onde todos os personagens conhecem o fundo do poço.
Nada que o diretor Darren Aronofsky não conheça: após o reconhecimento de Pi no mercado independente em 1998, a indústria do cinema o enxergou como um cineasta potencial e aqui faz seu filme mais autoral. Ok, ele conheceu o cheiro do cinema blockbuster com Noé em 2014, mas sua carreira de poucos, mas excelentes filmes é composta com obras como Fonte da Vida, O Lutador, Mãe e Cisne Negro. Este último, sendo o filme que deu o merecido Oscar para Natalie Portman em 2011.
Mas independentemente do orçamento de seus filmes, um tema recorrente em todas as suas obras é a obsessão, seja pela perfeição em Cisne Negro ou até mesmo pelo o reconhecimento em O Lutador.
Aqui em Réquiem Para Um Sonho temos uma dona de casa, Sara Goldfarb (Ellen Burstyn, no melhor papel de sua carreira), viciada em TV, que recebe um telefonema avisando que ela vai participar de um programa de TV. A partir daí ela fica focada (ou obcecada) em emagrecer, recorrente até a um tratamento com pílulas.
Paralelamente a isso conhecemos seu filho, Harry (Jared Leto), sua namorada Marion (Jennifer Connelly) e seu melhor amigo Tyrone (Marlon Wayans). Ambos são obcecados pelo sucesso, mas principalmente em dinheiro. Ela tem o sonho de abrir uma loja de roupas, mas ambos se perdem no mundo das drogas.
Na maioria dos casos um longa metragem é composto por 3 atos e embora isso não seja uma regra (há grandes filmes que quebram essa regra) é isso que sustenta a maior parte das narrativas.
Mas aqui em Réquiem Para Um Sonho temos não só 3 atos muito bem definidos, mas o filme é dividido em 3 partes: Summer, Fall e Winter, simbolizando as estações do ano, verão, outono e inverno.
O verão, ou o primeiro ato, representa a primeira parte do filme, mostrando os personagens em seu auge, cheios de sonhos, planos e esperança. Já o segundo ato, ou Fall (também uma metáfora para queda) mostra que tudo está dando errado para os personagens e que nem tudo que esperamos acontece como planejamos. Já o 3º ato, ou o inverno, já é o fundo do poço, onde todos ali já perderam a esperança, até mesmo em posição fetal de derrota e sem perspectivas para mais nada.
Propositalmente não temos Spring ou Primavera, que representaria a renovação.
Toda essa mudança não é apenas psicológica, mas física também, principalmente com a Sara, que fica toda destruída com as alterações em seu corpo e isso afeta até mesmo as pessoas em sua volta, como seu filho.
Tudo isso é mérito de um roteiro caprichado, mas também da atriz Ellen Burstyn, que estava devendo um papel marcante desde os anos 1970 com o mega sucesso O Exorcista em 1973 e Alice Não Mora Mais Aqui, filme que lhe rendeu o merecido Oscar no ano seguinte.
Ellen foi indicada ao Oscar por este papel, mas acabou perdendo para Julia Roberts por Erin Brockovich – lembrando que Oscar não é exatamente merecimento e sim campanha.
E toda essa decida ao inferno é acompanhada por uma montagem frenética e brilhante com cerca de 2000 cortes – um filme “normal” tem cerca de 600 ou 700 cortes – além da trilha sonora arrebatadora de Clint Mansell, referenciada até hoje e aparecendo até no trailer de Senhor dos Anéis em 2001.
Réquiem Para um Sonho se tornou um jovem clássico cult, mas não foi sempre assim, foi quase ignorado na ocasião do seu lançamento, mas hoje é cultuado e obrigatório para jovens cineastas. Teve uma mísera indicação ao Oscar de Melhor Atriz, mas merecia estar em muito mais categorias, como Montagem, Trilha Sonora, Atriz Coadjuvante para Jennifer Connelly e porque não nas principais?
É um grande feito de um cineasta que está aí até hoje, escolhe muito bem seus projetos, consegue fazer seus filmes autorais e experimentando o cheiro do sucesso.
E isso não é tão fácil como parece.