Existem alguns livros que alcançam outro nível de profundidade, que discutem e criticam temas e comportamentos do âmbito social que precisam ser refletidos e merecem destaque. Precisamos falar sobre o Kevin é um desses livros, e é por isso que para escrever sobre ele, convidei a Na Contave (também redatora aqui do NN), juntamente com seu amigo Pedro Grolla, que já discutiram sobre o tema, para uma colaboração.
Eva Katchadourian na verdade nunca quis ser mãe – muito menos a mãe de um garoto que matou sete de seus colegas de escola, uma professora queridíssima, e um servente de uma escola dos subúrbios classe A de Nova York. Para falar de Kevin, 16 anos, autor desta chacina, preso em uma casa de correção de menores, a escritora Lionel Shriver arquitetou um thriller psicanalítico onde não se indaga quem matou. A trama se desenvolve por meio de cartas nas quais a mãe do assassino escreve ao pai ausente. Nelas, procura analisar os motivos da tragédia que destruiu sua vida e a de sua família.
Dois anos depois do crime, ela visita o filho regularmente. Aterrorizada por suas lembranças, Eva faz um balanço de sua trajetória onde analisa casamento, carreira, família, maternidade e o papel do pai. Assim, constrói uma meditação sobre a maldade e discute um tabu: a ambivalência de certas mulheres diante da maternidade e sua influencia e responsabilidade na criação de um pequeno monstro.
Ao relembrar o passado, reexamina desde o seu medo de ter um filho ao parto do bebê indócil que assustava as baby-sitters. Mostra o garoto maquiavélico que dividia para conquistar. Exibe o adolescente que deixava provas de péssima índole. ‘Precisamos Falar Sobre o Kevin’ cria polêmicas ao analisar as sociedades contemporâneas que produzem assassinos mirins em série ou pitboys. Estimula discussões sobre culpa e empatia, retribuição e perdão nas relações familiares, e nos leva a debater uma questão tenebrosa: poderíamos odiar nossos filhos?
Repleto de intensidade, podemos, com o decorrer da história, visualizar um cenário de tom mais escuro, opaco e frio, que remete certa impessoalidade, e parece ter como intenção representar a atual situação de Eva, distante e perdida. E o quanto esta tem vivido seu inferno particular desde o acontecimento envolvendo seu filho, já que tem sido responsabilizada pelos cidadãos da cidade onde vive pelos atos deste, além de procurar em suas atitudes motivações que podem tê-lo levado a fazer aquilo.
Um dos grandes pontos do livro é a necessidade do ser humano em culpar o outro por acontecimentos que necessariamente nada tem a ver com o mesmo. Eles precisam se convencer que alguém isolado foi o responsável para que possam seguir em frente. O discurso de ódio, a falta de empatia e crueldade das demais pessoas em relação a mãe, obrigada a conviver com o fato de que seu próprio filho chacinou 9 pessoas, também o são.
A autora explora uma perspectiva pouco comum, como a incerteza de Eva sobre os sentimentos que nutre pelo filho. Em determinado momento, ela até diz em uma das cartas a seu marido, se é possível se arrepender de algo como a vida de um ser humano, que é inexorável, e que por muitos seria algo impensável, mas que ela nunca foi como essas pessoas. O que nos faz entender que, apesar de ainda conviver com seu filho, pode também odiá-lo pelo que fez e a destruição de sua vida.
O livro pode ser pesado e incomodar algumas pessoas, mas ele deve ser lido. A reflexão que ele proporciona é necessária, afinal, será que estaríamos todos nós adoecendo as crianças? Criando monstros? Talvez. Mas acho que mais do que toda essa crítica, ainda podemos pensar na incompreensão das pessoas sobre algo além da crueldade. Seria Kevin apenas uma criança com intenção de fazer o mal, ou ele teria uma predisposição a fazê-lo? Seria Eva uma mãe negligente, e por isso deve ser culpada pelos atos de seu filho, ou apenas uma mulher com problemas para cuidar de sua vida familiar, profissional e pessoa, e que também tinha medo da criança a qual deu à luz?
Precisamos falar sobre o Kevin é uma daquelas histórias que podem ser diferentemente interpretada por aqueles que a leem, e ainda muito discutida por profissionais e estudantes da área de psicologia, já que ela trata de um transtorno mal compreendido, suas consequências e influências sociais.
Natalia Contave; Pedro Grolla
Precisamos falar sobre Kevin é um romance publicado pela primeira vez em 2003 que aborda vários aspectos da convivência familiar entre Eva Katchadourian e seu filho Kevin, rapaz de 16 anos que se encontra preso após chacinar sete colegas de escola, uma professora e um servente. A trama se desenrola através da narrativa epistolar entre Eva e o pai de Kevin. O livro explora as facetas de Eva enquanto mulher, mãe e profissional, antes e depois da matança.
A autora Lionel Shriver esmiúça a convivência de Eva e Kevin, mostrando a pouca vocação materna da primeira e o comportamento sempre errático e imprevisível do segundo, o livro mostra a mãe tentando equilibrar as relações familiares com seus compromissos profissionais, muitas vezes exasperada, devido a pouca participação do pai na educação dos filhos.
Mesmo diante da traumática situação na qual se viu envolvida Eva continua a se relacionar com o filho, mesmo depois de ele ser preso, ela o visita regularmente e busca entender as motivações de Kevin em seu ato de suprema loucura. O que impera aqui é a perspectiva das personagens. A análise literária deve ser feita baseada completamente nas personagens psicológicas.
A mãe, Eva, é uma personagem devastada e Kevin nasce em meio a esse turbilhão de acontecimentos gélidos e anseios mal resolvidos. Não deve ser julgada pela sociedade e pela corte.
A focalização é sobre compreensão e empatia. Vivemos em uma sociedade doente e seus filhos são contaminados, qualquer filho civil. Assim, devemos trabalhar a empatia. Todos podem ser corrompidos.
O livro não é de fácil leitura e absorção dos fatos. A história é profunda e complexa, com grande poder de crítica à sociedade norte-americana e seus valores morais e puritanos deturpados.
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