Precisamos falar sobre boicotes à séries

Olá pessoas queridas, hoje não vim falar sobre jogos ou séries, mas de uma realidade que a sociedade construiu e me fez pensar muito.
Ontem eu li uma notícia informando que assinantes da Netflix pediram o cancelamento da série Insatiable antes mesmo de sua estreia. O motivo – após assistirem ao trailer, assinantes alegaram que a série seria gordofóbica, por isso não deveria nem ser lançada, pois promove o body-shaming e a objetificação da mulher.

Eu li isso e comecei a lembrar de vários filmes e séries que sofreram boicote, foram alvos de petições e inúmeras ações, pois espectadores não concordavam com os temas abordados, ou com a forma de narração.
Até uns anos atrás, quando a internet ainda era mato, ou antes do surgimento do streaming, era muito difícil que algo assim acontecesse. Salvo em festivais e eventos de cinema como Cannes. A internet revolucionou nossas vidas, facilitou muita coisa, e aproximou consumidores / espectadores e produtoras, porém ultimamente eu estou vendo isso como algo mais maléfico do que benéfico.

Para pessoas que, assim como eu, cresceram na década de 90, ou a galera mais velha (pessoas que ainda iam à locadora alugar as fitas e levavam multa se não as rebobinassem), era muito comum assistir o Pica-Pau fumando, pregando peças no Leôncio, ou assistir o Jerry mutilando o Tom. Quem lembra dos gibis da Mônica? Todos os personagens sofriam alguma forma de bullying, e mesmo assim a gente aprendia alguma coisa, e se divertia.

picapau
O que isso tem a ver com o motim contra Insatiable? Tudo! Não sei se se lembram que logo que foi anunciada, a série O Mecanismo também foi alvo de duras críticas, e muitas pessoas inclusive deixaram de assinar a Netflix. Enquanto isso, Dear White People sofreu boicote de outra parcela de espectadores. Até Pantera Negra foi alvo de uma enxurrada de críticas! Sense 8, que teve seu último episódio gravado devido às inúmeras petições também não fica de fora desse não tão seleto grupo de produções criticadas. O que TODAS essas séries e filmes têm em comum? Elas abordam temas incômodos a alguns espectadores, que devido às facilidades da internet se unem e desenvolvem ações para culminar no cancelamento, ou em algum boicote.

dearwhitepeople

Atualmente (e graças a Odin), as pessoas estão mais conscientes dos problemas da sociedade, muita gente está engajada em transformar o mundo e deixar um ambiente muito melhor e mais saudável para as próximas gerações, e isso é fantástico. Contudo, ao mesmo tempo sinto como se estivéssemos vivendo uma certa distopia. Como que a série nem foi lançada e pedem o cancelamento com base apenas no trailer?

Sim, o body-shaming e o fat-shaming são formas de bullying que podem produzir traumas e feridas muito difíceis de serem curadas (eu mesma passei por isso por muitos e longos anos da minha vida), e sim esse tipo de discriminação existe, não dá para negar. Assim como não podemos negar que exista racismo, que há corrupção na política, que pessoas com diferentes identidades de gênero ou orientação sexual sofrem diariamente. Mas não será por meio do cancelamento de produções, ou deixando de abordar esses temas que os problemas deixarão de acontecer.

É incômodo, principalmente para quem sofre na pele as questões abordadas, assistir algo que fale justamente disso. Isso desperta sentimentos que às vezes não queremos, de fato. Mas o ponto é que não é possível que uma parcela dos espectadores decida sobre isso, alegando que tais séries irão incentivar algum comportamento. Afinal, não temos como ter certeza da forma como o outro irá absorver e compreender a mensagem – cada um absorve de um jeito, e isso depende muito de inúmeros fatores da vida do indivíduo.

omecanismo
É muito comum vermos posts que falam “eu assistia o Pica-Pau fumando e nem por isso virei fumante”. Isso é algo muito raso, mas ilustra bem o que quero dizer – o mesmo conteúdo tem efeitos diferentes em cada um de nós (eu virei fumante, mas garanto que não foi por causa do Pica-Pau). Vejam por exemplo, 13 Reasons Why. Foi duramente criticada pois alegavam que a série romantiza o suicídio e poderia incentivar adolescentes a tirar a própria vida. Realmente, a forma como o suicídio é retratado poderia incentivar alguma ação, mas ao mesmo tempo, a série foi a abertura necessária para se começar a falar mais sobre bullying e suicídio na adolescência.

13reasonswhy
Já falei bastante sobre The Handmaid’s Tale aqui no site, por exemplo, e esta foi outra série que gerou uma avalanche de petições, boicotes e críticas, apenas por retratar crimes contra as mulheres (mas se esqueceram das infinitas partes boas da história, do retrato da força, da resiliência, etc). Atualmente tudo está muito problematizado e  acaba tomando proporções muito maiores do que deveriam.
Por isso, vamos aproveitar que todos estão mais conscientes enquanto sociedade, aproveitar que novas séries estão surgindo dia após dia, aproveitar que nós geeks agora estamos praticamente dominando o mundo, e aproveitar a facilidade de não precisarmos mais ir até a locadora ou assistir à Lagoa Azul pela 432° vez no ano. Ao invés de criticar e gritar na internet sobre todas as produções que abordam um tema sensível ou com o qual você não concorde, pense que esse mesmo tema pode ser o gatilho que faltava para alguém mudar de visão.

Além disso, muitas vezes a forma como são feitas, as críticas e boicotes podem trazer o efeito contrário, não sendo positivo para ninguém.

Nerd: Bruna Petrocelli

Formada em Relações Internacionais pois um dia pensou em ser diplomata, percebeu que não curtia protocolos e burocracias. Consultora de marketing e apaixonada por nerdices em geral, diz que topa trabalhar na ONU no dia em que for aceitável participar das reuniões usando tênis e camiseta do Star Wars.

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