Já faz décadas desde que a música vem sendo utilizada para elucidar e construir sociedades mais críticas. Para abrir os olhos dos cidadãos e mostrar as falhas e injustiças presentes na área política, econômica, cultural e social, tanto no âmbito nacional quanto internacional. Que ela faz dos jovens pessoas mais politizadas, abertas à realidade de seu meio e dispostas a lutar por seus direitos e mudanças. Torna as pessoas mais expressivas e empáticas, independente de suas classes sociais, e as faz suscetíveis a tentar enxergar e desenterrar verdades necessárias. A música representa resistência e está presente na história de grandes movimentos, como a ditadura militar, o movimento negro e feminista. Ela é revolucionária e o surgimento de artistas como Queen, Nirvana, Chico Buarque, Gilberto Gil, Cazuza, Renato Russo e Rolling Stones, que marcam e inspiram gerações até os tempos atuais, é a prova disso. Mas prova de seu alcance e desenvolvimento está presente também na observação de nomes como Twenty One Pilots, Halsey, Arctic Monkeys, The Neighbourhood, Kings of Leon, Lana Del Rey e Melanie Martinez. Músicos da era atual que mesmo com o capitalismo e a superficialidade que isso pode gerar no ramo musical, ainda buscam transformar suas experiências e conhecimentos em conteúdos que contribuam de alguma forma para o crescimento pessoal de seus ouvintes.
MELANIE MARTINEZ
No ramo musical desde os 14 anos – quando começou a escrever suas próprias canções – Melanie ganhou reconhecimento ao participar da terceira temporada da versão norte-americana do programa The Voice. Na época, ainda inexperiente, a cantora chamou atenção não só para sua capacidade vocal, mas também para o fato de compreender, mesmo que superficialmente, o caminho que gostaria de seguir como artista. Ela já demonstrava possuir certa peculiaridade, e seu estilo, assim como os elementos sonoros e visuais presentes em suas apresentações, já deixavam explícita sua tendência ao gênero alternativo, gênero esse que caracteriza amplamente seu trabalho autoral, que tomou grandes proporções a partir de agosto de 2015 com o lançamento de seu primeiro álbum, “Cry Baby”.
“CRY BABY”
O álbum de 13 faixas – 16 na versão deluxe, com 3 faixas extras- tem característica narrativa e conta a história de uma personagem fictícia de mesmo nome – a qual Melanie descreve como insegura, vulnerável e muito emocional – e das experiências por ela vividas. Interligadas, as faixas dividem-se em três etapas da vida de Cry Baby. Uma introdutória, mais voltada para sua infância – onde, inicialmente, ela nós é apresentada, assim como sua condição emocionalmente vulnerável, seus problemas familiares e primeiro amor não correspondido. A segunda, de amadurecimento, marcada pela canção “Alphabet Boy”, que representa a chegada da personagem ao limite de sua tolerância. A partir desse ponto, após livrar-se de seu opressor de infância – um ex-amor -, a faixa é um marco da passagem de Cry Baby para a adolescência e de seu contato com questões mais voltadas à faixa etária. A terceira, como um desfecho, representa a autoaceitação da personagem em relação àquilo que é, mesmo que seu comportamento não se pareça com algo socialmente aceitável. No entanto, apesar de contado sob uma perspectiva mais infantil – os nomes de todas as faixas são baseados em elementos, objetos e signos desta natureza, assim como algumas das expressões e composições sonoras que também remetem a ela -, este é um álbum voltado a adultos. As músicas, muitas vezes com duplo sentido, são pensadas para figurativa e metaforicamente apresentarem temas mais fortes. Sua caracterização mais infantil, colorida e de contos de fadas é construída para traçar uma linha que delimite de forma clara quem é o emissor e receptor da mensagem. Para reproduzir aquilo que uma criança, posteriormente uma jovem, passou e está passando, porque suas visões dos fatos costumam ser negligenciadas. E também para atuar como algo emocionalmente mais chocante, porque crianças inspiram maiores cuidados. Outra característica que a composição da obra permite é o espaço para amplas interpretações. Nem todas as pessoas chegaram ou chegarão às mesmas conclusões – talvez ninguém o enxergue como está que vos escreve. Uns podem aceitar as letras de forma literal, outros saírem em busca de análises mais profundas e pessoalmente significativas, enquanto outros não enxergaram nada mais do que um álbum alternativo, interessante. E essa é a beleza da música e de tudo o mais na vida: as pessoas podem tirar delas aquilo que quiserem, ou ao menos o que sua construção cultural e social permitirem. Mas é necessário que haja reflexão, porque os assuntos nele tratados são importantes.
CONSIDERAÇÕES
“Cry baby” não é inovador em suas críticas nem em sua estrutura, mas sim em seu elemento conceitual. É um álbum que foi escrito por uma artista de 20 anos de idade, repleto de temas assustadores e macabros, interpretados de forma colorida, alegre e infantil. Possui uma história contada desde a infância de uma menina, interligada em 13 faixas que retratam insanidade, pedofilia, dependência emocional, assassinato, alcoolismo, entre outras coisas. E, acima de tudo, representa, mesmo que através de pequenas semelhanças ou interpretações variadas, grande parte das pessoas jovens da atual geração. A personagem desenvolvida por Melanie não é a única emocionalmente destruída. Na verdade, ela é um indivíduo perdido entre milhões que se sentem da mesma forma, e que na grande maioria das vezes o fazem pelos mesmos motivos da personagem ou por terem a mesma visão de sua intérprete. É um trabalho minucioso, criado para ser acompanhado auditiva e visualmente, que requer reflexão e entendimento. Algo voltado não aos jovens, por mais que eles sejam grande parte do que ele representa, mas sim aos adultos, porque se através de clichês e temas que são muitas vezes banalizados nasceu algo com todo esse peso emocional, é preciso saber como os jovens se sentem e o que esses sentimentos representam.
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