O Estranho é um filme brasileiro, lançado em junho de 2024, é dirigido e escrito por Flora Dias e Juruna Mallon, foi destaque no Festival de Berlim e, no Brasil, foi exibido no Cine BH de 2023.
O longa fez uma boa carreira em festivais e teve aclamação entre a crítica especializada, mas está estreando nas telonas em um circuito limitadíssimo e por mais qualidade que ele tenha, não está sendo descoberto pelo grande público.
A trama se passa na região do Aeroporto Internacional de Cumbica, localizado na cidade de Guarulhos e é o maior do Brasil, fazendo referência ao fato de ter sido construído em território indígena.
Neste cenário, Alê (Larissa Siqueira, ótima no papel), uma funcionária do aeroporto cuja história familiar foi subtraída pela construção do local, conduz a narrativa por encontros através dos tempos, resgatando suas memórias, seu estado presentes e de sua tribo, mas sempre em construção para estar sempre em transformação.
As diretoras realizaram juntas o longa O Sol Nos Meus Olhos, lançado em 2012 e este aqui tem um saldo melhor, além de ser mais maduro. O Aeroporto, símbolo de progresso e desenvolvimento, é pano de fundo como metáfora para a dualidade entre o futuro e o passado, ainda mais com o ponto de vista da comunidade indígena, os legítimos donos desta terra e dos trabalhadores representados pela protagonista.
Tanto a resistência indígena quanto o dia a dia de quem está ali no “chão da fábrica”, são um complemento e forma de crítica para que o espectador reflita sobre o sistema e do quanto somos privilegiados em uma sociedade que vira os olhos para o que considera “diferente”.
No longa, há mais de uma linha temporal. É importante conhecer o passado, entender o presente e evitar que os mesmos erros (propositais ou não) sejam cometidos novamente.
Não é para todos os espectadores. Em uma sociedade polarizada, com uma narrativa diferente da chamada “jornada do herói” que o público está mais acostumado com o cinema hollywoodiano, sem contar que não é um projeto para a família (há várias cenas de nudez e de romance com pessoas do mesmo gênero) e é uma amostra de que há muito potencial desperdiçado no cinema nacional, com grandes trabalhos, mas que, infelizmente, são pouco divulgados e reconhecidos.
E mesmo com uma narrativa fora do comum, com mais de uma linha temporal nos dois primeiros atos, no terceiro ato o longa toma uma decisão arriscada, mas que deu muito certo, com uma série de entrevistas e tornando o roteiro quase como um documentário, mas que não causa estranhamento ao espectador.
O Estranho não é o melhor longa brasileiro do ano e dificilmente vai furar a bolha do sucesso comercial, mas mostra a tamanha qualidade do cinema feito no Brasil e com um país rico em cultura e história, o próprio Brasil desconhece o Brasil.