Poucas HQs brasileiras conseguem visibilidade, grande parte por falta de incentivo, outras por abordarem temas não relevantes ou pouco atrativos. Ver um personagem de quadrinho brasileiro virar filme é algo bem raro, afinal já temos culturalmente no nosso DNA a paixão por heróis americanos, mas vamos ser francos: os problemas e motivações da terra do “Tio Sam” são bem diferente dos nossos, por isso quando o estúdio Guará fala “Nossas cidades. Nossos problemas. Nossos heróis“, não poderiam estar mais corretos.
O Doutrinador é um obra prima que começou pequeno, conquistou aos poucos os fãs e chegou nas telas dos cinemas como uma grande produção. Seja pelo o nosso clima político ou por uma coincidência de fatos, é muito difícil nós brasileiros, não termos simpatia por um anti-herói desses: o Brasil tem uma certa tradição em gostar desse tipo de personagem, de Macunaíma ao Zé Carioca, todos vítimas de um sistema, cada qual se virando do jeito que pode. Como uma bomba relógio, em algum momento teríamos o cara que “não quer mais se virar”, é aí que nasce o Doutrinador, uma espécie de justiceiro brasileiro, movido por seu próprio senso de justiça.
O diretor Gustavo Bonafé tem uma certa intimidade em mostrar problemas da sociedade brasileira, sentimos isso muito bem em seu último filme “Legalize já!“, que apesar de ser seu primeiro filme de ação, ele mandou muito bem. No filme sentimos as páginas do cartunista Luciano Cunha ganhar a vida a cada minuto. Como a maioria das adaptações os quadrinhos são melhores, mas pela primeira vez tivemos aquele gostinho de um cara sozinho fazer a diferença como um grande herói, só temos que agradecer a esses dois por isso.
O roteiro é um pouco clichê, nada que um fã de HQs não esteja acostumado. Nos primeiros momentos de filme conhecemos Miguel (Kiko Pissolato), um policial de elite, membro da Divisão Armada Especial (D.A.E). Após fazer uma grande operação, ele se sente satisfeito e demonstra grande competência e comprometimento com seu trabalho. Poucas cenas depois, conhecemos um novo Miguel, o pai atencioso que adora sua filha e como toda a boa história de justiceiro mascarado, é claro que teríamos uma tragédia: a filha de Miguel leva um tiro e morre em seus braços. Nesse momento temos a famosa “jornada do herói“, vemos uma mudança no personagem e ele se preparando para uma nova identidade, pronto para se vingar e fazer justiça. Ao contrário de um Bruce Wayne, temos o jeitinho brasileiro, com uma mistura de raiva, desejo e oportunidade nasce o nosso justiceiro: O Doutrinador. Podemos dizer que “a ocasião faz herói”.
O filme não tem muitas surpresas, sendo bem previsível em muitos pontos e com poucos personagens que se destacam. Além de Miguel conhecemos Nina (Tainá Medina), uma amável hacker ativista e feminina. Ela não é uma Trinity e muito menos algo próximo de Lisbeth Salander, mas ganha o nosso respeito. Pela a primeira vez em uma produção brasileira, tomaram o cuidado de acertarem algumas coisa em relação a tecnologia (finalmente temos código e tela de verdade e não aqueles HTML básicos). A dupla Nina e Miguel funciona bem, com momentos de tensão e sem muita enrolação, eles respeitam a inteligência do público, isso torna a trama interessante e cativante.
Não negarei que com a situação atual da política no Brasil, pessoas vibraram com cada político morto pelo O Doutrinador. A jornada de vingança do “herói” se mistura um pouco com a frustração dos brasileiros e ver alguém fazer o trabalho de punir essas pessoas que muitas vezes zombam de nós, é cruel, porém é por isso que o Doutrinador é o tipo de herói que precisamos! Claro que não que sairemos por aí matando políticos, mas uma semente é plantada: não devemos temer os políticos, podemos cobrar e ir atrás de cada um, para que todos sejam DOUTRINADOS a servir o povo novamente.
O Doutrinador estreia dia 01 de novembro de 2018 e tem uma série prevista para 2019.
