Não Fale O Mal e Como a Passividade Pode Ter Consequências Assustadoras

Cartaz nacional de Não Fale o Mal

Chega aos cinemas nesta quinta-feira, 12 de setembro, Não Fale o Mal, remake do filme dinamarquês de mesmo título. Com direção e roteiro de James Watkins e com James McAvoy no elenco, o longa entrou para minha lista de melhores do ano. Talvez mais escandaloso que o original e com uma pegada mais voltada para o suspense que para o terror, esse é um daqueles casos em que a refilmagem vale a conferida.

Em 2022, a obra dinamarquesa dirigida por Christian Tafdrup foi aclamada pela crítica pelo teor desconcertante e pelo seu subtexto provocativo. E como Hollywood é Hollywood, se sentiu na “obrigação” de ofertar ao mundo seu ponto de vista, anunciando um remake “precoce” de Não Fale o Mal. Porém, devo admitir que a versão americana não é nem de longe ruim. Na verdade, no ponto de vista geral, a considero tão boa ou até melhor quanto. Muito disso pelo novo contexto e abordagem apresentados.

Não Fale o Mal é uma trama sobre desconfortos sociais

Em Não Fale o Mal de 2024, a história acompanha Ben e Louise Dalton, uma família americana que, após se aproximar de um casal britânico, Paddy e Ciara, durante as férias na Itália, é convidada para passar um fim de semana na casa de campo deles, em West Country. O convite parece inofensivo, prometendo um descanso tranquilo, mas as coisas rapidamente tomam um rumo sombrio.

Ao chegarem na casa de campo, Ben e Louise começam a perceber que Paddy e Ciara chamam atenção pela forma como agem. O que inicialmente parecia ser apenas excentricidade vai se intensificando, e os Dalton se encontram em uma situação cada vez mais bizarra e desconfortável. Os anfitriões começam a revelar uma faceta perturbadora e assustadora, com indícios de uma violência latente, deixando Ben e Louise presos em uma atmosfera de terror crescente.

Noite de casais em Não Fale o Mal

O longa não se preocupa em evitar a previsibilidade. Contudo, ao fazê-lo de forma consciente, torna a angústia do espectador ainda mais palpável. Principalmente pelo fato de que desde o primeiro momento da família britânica em tela, fica claro para quem assiste que existe algo muito errado ali. Algo que é camuflado pela gentileza e irreverência com que tratam Ben e Louise, o que acaba conquistando tanto a atenção quanto a confiança de ambos. E, como cada personagem lida com os acontecimentos é que dita o tom do filme.

Performances que hipnotizam

Ben Dalton, vivido por Scoot McNairy (Uma Garota de Muita Sorte), se muda para Londres à trabalho com a esposa e a filha, Agnes. Mas, após uma série de eventos que acabam minando a relação do casal, acaba vendo no convite para um final de semana com os amigos que fizeram na Itália, uma oportunidade de tentar se reconectar com sua família. Em uma ótima performance, McNairy entrega um Ben inseguro, cansado e complacente, que aceita situações desagradáveis apenas para não gerar conflito.

Louise, interpretada maravilhosamente bem por Mackenzie Davis (O Exterminador do Futuro: Destino Sombrio), é o oposto do marido. Com pensamento crítico e um alto sentido de sobrevivência, Louise é uma mãe superprotetora que traça limites claros do que é aceitável. Ela não é condescendente com tudo e não tem receio de se impor diante de absurdos. Porém, ainda existe um senso de cumplicidade que exige dela uma etiqueta social afim de evitar conflitos.

James McAvoy está brilhante como Paddy

Mas, o trunfo de Não Fale o Mal, certamente está na incrível atuação de James McAvoy (X-Men: Primeira Classe) como Paddy. Desde sua primeira cena, já nos sentimos tensos. Não que tenha sido surpreendente, visto como fora brilhante como antagonista em Fragmentado. Neste ponto, o crescente da tensão angustiante e a ideia de que algo ruim pode acontecer a qualquer momento, é mérito de sua performance. Paddy é extrovertido e emana uma misoginia comedida, do tipo que não se vê até ser tarde demais.

O restante do elenco de Não Fale o Mal não fica atrás em qualidade. Aisling Franciosi (Drácula – A Última Viagem do Deméter) como Ciara, esposa de Paddy, entrega uma excelente atuação. A princípio, parece ser apenas uma cúmplice, mas existe mais ali que não é dito. Alix West Lefler (O Enfermeiro da Noite) como Agnes também está ótima. Dan Hough, como Ant, faz um trabalho tão bom que torna todas as suas aparições em tela em um momento angustiante. Mas, verdade seja dita, a excelência do elenco não seria possível sem um ótimo trabalho de direção.

A mente por trás do medo

Em Não Fale o Mal, James Watkins acerta ao construir uma narrativa enervante a partir da sensação de impotência diante do isolamento. Além de criar, de forma bastante eficiente, uma atmosfera apreensiva até melhor que o original dinamarquês. E aqui ele se beneficia de sua experiência prévia com o gênero, em obras como A Mulher de Preto, ao trabalhar os elementos de suspense e terror psicológico. Fazendo o espectador se segurar na cadeira e prender o fôlego a cada cena que desafia o bem-estar dos personagens.

Não Fale o Mal mostra os labirintos da cortesia

Um outro fator que chama atenção é a escolha de mostrar a amplitude bucólica do cenário externo, ao tempo em que mantêm o interior da casa como um labirinto estreito e cheio de objetos. Uma alegoria para o quanto as convenções sociais podem ser limitantes. Uma visão estreita de um cenário mais amplo. E o acúmulo de objetos representando todas as situações desconfortantes que nós acabamos “engolindo”, prezando pela boa educação para evitar qualquer confronto.

O filme mostra como é tênue a linha da condescendência e da passividade. Em como ignorar incômodos e alertas claros de perigo podem ser a diferença entre viver e morrer. Mais ainda, mostra que se tolher de qualquer ação diante de algo inegavelmente mal, pode ter consequências terríveis. E nesse ponto, as duas versões convergem, mas considero que cada versão trabalhe melhor uma ou outra questão da sua maneira.

O sapo na panela

Em resumo, Não Fale o Mal traz um novo olhar sobre o mesmo tema de seu original, acertando em manter a essência perturbadora, mesmo com diferenças na trama. É um excelente lembrete de como a passividade pode nos afundar lentamente em perigos ocultos, como sapos sendo cozidos sem perceberem o perigo até que seja tarde demais.

Não Fale o Mal estreia nesta quinta-feira, 12 de setembro, somente nos cinemas.

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Nerd: Tamyris Farias

Designer e produtora de conteúdo apaixonada por cinema e cultura pop. Amante de terror e ficção científica, seja em jogos, séries ou filmes. Mas também não recuso um dorama bem meloso.

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