Mato Seco em Chamas traz um olhar intenso das mulheres de Ceilândia, sobre como o poder contrapõe com a criminalidade brasileira.
Quando chegou a cabine do muitíssimo premiado Mato Seco em Chamas eu quis garantir meu passaporte pra Ceilândia via filme, porque eu estava muito curiosa.
Vi o longa, que é bem longo por sinal, e agora estou aqui para contar como foi a experiência. Olha, foi um processo!
Acho que até meia hora antes de escrever este texto eu ainda estava tentando entender se eu tinha gostado do filme ou não, mas cheguei a uma conclusão: eu não gostei do filme, mas acho que vale a pena ser visto.
Porque eu gostei muito da história, mas eu não gostei de como a história foi contada.
A narrativa usa muito suporte do audiovisual para transmitir a mensagem, porque não existem muitos diálogos (e eu amo muito diálogos!), mas os poucos que existem são muito sensacionais, também tem uma parte narrada em primeira pessoa, alternando entre Léa e Chitara, as irmãs protagonistas.
É uma ficção, mas também é um documentário. E até subir o letreiro no final, eu fiquei me perguntando, é um documentário? Ou é tudo ficção? Tô perdida!
Acredito que é essa sensação que Adirley Queirós e Joana Pimenta quiseram entregar mesmo, porque nada lá é entregue de graça, sabe?!
Foge de tudo que é muito estadunidense, que explica tudinho, com muita riqueza de detalhes, e às vezes até detalhes que não precisava!
Eu nem sei se gosto exatamente desse modelo escancarado de contar histórias, mas eu cresci vendo, me foi imposto de certo modo, então quando foge completamente disso, me causa muito incômodo. É algo que está muito estruturado em mim e que é bem difícil de desconstruir, por isso, sempre estou disposta a novas experiências cinematográficas.
E se você vir os outros filmes do movimento de cinema ceilandense do Adirley Queirós, é essa a pegada. Uma nova proposta de assistir e apreciar um filme. Basicamente é uma mistura de muitas estéticas europeias, com um quêzinho oriental, e muita inovação do novo cinema brasileiro.
Inclusive, eu já ouvi e li alguns jornalistas falando que é uma versão de Bacurau do cerrado, mas, humildemente, discordo. Bacurau é bem único, né?! Será muito difícil algo parecido com ele, porque é uma obra bem fechada, redondinha e que criou um universo próprio. Lá no universo de Bacurau a dinâmica é completamente diferente!
Em Mato Seco em Chamas a história da Chitara, Rainha da Gasolina de Ceilândia, da sua irmã Léa e de suas parceiras de trabalho, jornada e, porque não dizer guerrilha, é contada com o auxílio de uma trilha sonora mega especial – sério, a escolha da trilha é muito legal, parabéns aos gênios que a escolheram – e isso não quer dizer que eu tenha muita familiaridade com as músicas escolhidas ou algo do tipo, mas elas escorregam como luva, encaixam perfeitamente, sabe?!
Também têm cenas de completo silêncio e só ruído que falam por si, e tudo isso vai preenchendo a ausência de diálogos. Fiquei envolvida?! Não exatamente, mas acho incrível o poder de contar uma história assim, de uma maneira diferente do comum.
Contudo, tudo que é contado é muito interessante, Chitara é uma refinadora ilegal de gasolina que achou dutos de petróleo em seu terreno e cria um verdadeiro império com a ajuda de sua irmã Léa e suas companheiras.
Esse olhar sobre o poder das mulheres periféricas, contrapõe em como elas são atingidas pela criminalidade. Isso é extremamente importante de ser mostrado para os espectadores que estão fora desse universo das periferias do DF.
Aliás, preciso fazer um parágrafo aqui para falar de Léa. Ela é uma personagem muito carismática, e mesmo com seus mil e um defeitos, é apaixonante! Eu ri de suas histórias, do seu jeitinho e do seu modo de falar. Vale ressaltar também que a linguagem das personagens é sensacional, o povo ceilandense fala como o povo ceilandense, com todo pacote de gírias, sotaques, expressões e palavrões.
A narrativa utiliza essas mulheres poderosas, que tiveram períodos de reclusão, e que estão buscando espaço na sociedade para tratar de espinhos que vivemos em nossa atualidade, como o armamento da população, violência policial, a intensificação desgovernada da criminalidade, a interferência da religião no Estado, corrupção, racismo, aumento dos combustíveis e a força do povo nas eleições (aliás, a personagem Andreia é a líder do Partido Povo Preso).
Pra mim, ficou claro que o Adirley Queirós usa seus filmes para contar a história do Brasil e apresentar um pedaço de Ceilândia para o mundo.
Eu particularmente gosto de como ele faz isso? Não. Mas é certo que sempre vou ver suas produções.
Mato Seco em Chamas chega aos cinemas dia 23 de fevereiro, em todo o Brasil, com uma distribuição do projeto Sessão Vitrine. Aproveite!
Posts Relacionados:
Triângulo da Tristeza: o dinheiro resolve tudo! Não resolve?
M3gan diverte e assusta na medida certa
Como agradar uma mulher? – comentários sobre o filme
Não esquece de seguir o Universo 42 nas redes sociais: