Darren Aronofsky é dos poucos autores da atualidade e dos raros cineastas que consegue fazer seu cinema com mais liberdade artística, mas com um orçamento maior.
Na Hollywood atual, onde os estúdios e as franquias dominam, isso é um grande efeito.
Outros poucos autores podem se orgulhar disso hoje em dia. Christopher Nolan, Quentin Tarantino, Denis Villeneuve são algumas exceções, mas ainda é pouco e há um longo caminho para percorrer.
Aronofsky realizou grandes obras-primas no início de sua carreira, como Pi e Réquiem Para um Sonho, que hoje são cultuados, mas que abriram as portas para ele trabalhar com mais recursos, chamar o grande público aos cinemas mas sem esquecer de suas “raízes”.
O Lutador e Cisne Negro são grandes exemplos disso e embora ele tenha dado uma leve derrapada em Noé (embora este esteja longe de ser um filme ruim), ele volta com tudo em seu novo trabalho: Mãe! é dos melhores filmes de 2017, que já surge como um provável filme para o Oscar, mas merece mais do que premiações – merece que o grande público, acostumado com os blockbusters, descubra, discuta, e cultue-o.
Apesar de ser 100% original, há várias referências onde Aronofsky se inspirou até em sua própria filmografia: a loucura e insanidade de Pi e Réquiem Para Um Sonho, a destruição familiar de O Lutador, a obsessão de Cisne Negro e a religiosidade de Noé.
Até a falta de nome dos personagens faz parte da narrativa.
Mãe! conta a história de uma mulher. A Mãe (é assim que ela aparece nos créditos), papel de Jennifer Lawrence, é uma dona de casa que vive em um casarão distante com seu marido escritor, papel de Javier Bardem, que vivem razoavelmente bem, até que a paz doa dois é interrompida quando ele convida um casal que não têm para onde ir, a passar um tempo na casa. A partir daí, a personagem de Jennifer começa a se comportar de forma diferente e coisas estranhas começam a acontecer…
Recomenda-se que ninguém dê spoilers de Mãe! e quem for ao cinema ver, recomenda-se saber o mínimo possível para não estragar as surpresas e camadas que o roteiro apresenta. Há mais de um plot twist; tanto o filme quanto o seu público já não são mais os mesmos em determinado momento do filme e pode surpreender até o cinéfilo mais exigente.
Quando o filme foi anunciado, houve uma desconfiança pela escolha da protagonista. Não que Jennifer Lawrence seja uma atriz ruim, muito pelo contrário, mas como ela é, provavelmente, a atriz mais famosa hoje em dia, vencedora de Oscar e com duas franquias no currículo, ela poderia querer a atenção para si e o estúdio poderia exigir que o roteiro fosse mais contido para não assustar os fãs de Jogos Vorazes ou X-Men.
Felizmente não aconteceu nem coisa nem outra.
Aronofsky está mais comercial, mas tão surpreendente como em seus filmes “menores”. Aliás, com todo o clima claustrofóbico que o filme tem, já que se passa praticamente em um só lugar, não há tomada nenhuma que indique que se trata de um blockbuster de 30 milhões de dólares.
Já Jennifer Lawrence faz o melhor papel de sua carreira. Sem exageros. Foi muito positivo ver que ela vai além das limitações de David O. Russell e que sua merecida indicação ao Oscar 2011 por Inverno da Alma não foi apenas sorte. Ela merece uma indicação por este filme aqui.
Todo o elenco de apoio está excelente: Javier Bardem é o marido que não sabe o que fazer com as mudanças na esposa e em sua própria vida, Ed Harris e Michelle Pfeiffer fazem o melhor papel de suas carreiras em anos. E não deixem de prestar atenção em Kristen Wiig no segundo e terceiro atos.
Mãe! deve se tornar um jovem clássico amado pelos cinéfilos. Pode também ir às premiações nas categorias principais e técnicas ou assustar os votantes.
Tudo isso vindo da mente do jovem Aronofsky. E em um ano rico com grandes filmes como este, Dunkirk, Fragmentado, Corra, entre outros.
E ainda dizem que criatividade acabou em Hollywood, pode isso?
Nota: 5 estrelas