Jamais Peço Desculpas por me Derramar: Poemas de temporal e mansidão | O rasgar-se e remendar-se da poesia de Ryane Leão

quem disse que precipícios eram condições eternas?


Definiria o primeiro livro de Ryane Leão, Tudo Nela Brilha e Queima, como poemas para se reerguer e lutar. Descreveria o segundo livro de Ryane, Jamais Peço Desculpas Por Me Derramar, como poemas para permitir-se desmoronar, ser só, se perder e se encontrar em nossa solidão – e aceitá-la, aceitar o vazio ruim e entender que também existe o vazio bom. Aquele que permite reflexão, transformação e individualidade.

Fiquei morrendo de curiosidade de reler alguns dos poemas do livro anterior para comparar, mas farei isso depois desta resenha – acho importante respeitar meu entendimento, que pode depender não apenas das palavras escritas por Ryane, mas pelos diferentes momentos em que as li, também. Essa é a delícia da poesia, ela se estende até o leitor para ser,  e nunca será uma coisa só para sempre, para todas as pessoas. Sinto que poetas não nos emprestam suas palavras. Eles nos dão suas palavras como um presente único – e elas viram nossas, pois parte da poesia é nosso a bagagem, nossa vida, o que sentimos ao ler aqueles versos.

Ryane se permite mulher por completo, que apesar de sempre forte, às vezes sucumbe – que não sabe sempre o que fazer, que não sabe sempre o que escrever, que não sabe sempre o que sente. E é assim que se torna ainda mais mulher de verdade, expondo ainda mais suas dores, conflitos, medos, recaídas e traumas, ao lado de suas vitórias, de sua força e de sua luta. 

Luta, que ela nos mostra em seus versos, que nunca acaba – as batalhas são constantes, por vezes cansam a mente e o corpo, mas a determinação de continuar brigando pelo que acreditamos, pelas que amamos e por nós mesmas é muito mais forte do que qualquer derrota temporária – confessar os combates diários é, também, expor o quanto é importante continuar enfrentando, e vencendo.

algo se repete
pra provar que
você nunca é a mesma
algo se repete
para que você compreenda
que você nunca é a mesma
pare de chamar por suas versões
que estão no antes
elas morreram
pra te parir maior
algo se repete
se repete
se repete
e ainda bem
que você unca
é a mesma

É um manual da empatia – de Ryane por nós, de nós por Ryane e todas as outras – e de nós por nós mesmas. Doeu e confortou ler tantas pates de mim que se misturam com partes da autora. E poesia boa é essa que incomoda, emociona, compartilha, rasga e remenda o peito. Esse é o grande poder de Ryane: rasgar-se, expor-se, refazer-se. E, enquanto faz tudo isso a si mesma, nos ajuda a nos rasgar, a nos expor, a nos refazer. 

Jamais Peço Desculpas Por Me Derramar é leitura feita por mulheres para mulheres. Ia falar “de mulheres fortes para mulheres fortes”, mas seria pleonasmo. Acredito na força de todas as mulheres, mesmo que essa esteja oculta, escondida, ferida demais para dar as caras. E são gestos como as palavras de Ryane e de outras poetisas dessa deliciosa nova geração de versos gentis, acolhedores e poderosos, cheios de dor e amor, que nos fazem refletir e começar a juntar a coragem necessária para começar nossa própria revolução. 

as partes de mim
que ainda não são cicatrizes
logo vão notar
que tudo em mim
é possibilidade

se tô quebrada a poesia me remonta
se tô inteira a poesia me reconta


Nerd: Evelyn Trippo

I just have a lot of feelings, e urgência em expressá-los. Tradutora (formação e profissão), aspirante a escritora e estudante de projetos em games. Pára-raio de nerds, exploradora de prateleiras em sebos e uma orgulhosa crazy pet lady.

Share This Post On