Desvendando os Clássicos 02 | Jeremy (Pearl Jam)

 

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Olá pessoas, como vão? Hoje damos prosseguimento a esta nova coluna falando de um clássico do Pearl Jam, Jeremy. Vamos lá! Jeremy foi o terceiro single do álbum de estreia do Pearl Jam, o aclamado Ten. Escrita por Eddie Vedder e Jeff Ament, a inspiração para a canção surgiu de uma triste notícia de jornal que Vedder leu um pouco antes, sobre o jovem Jeremy Wade Delle, que se matou na frente de sua sala de aula no próprio ano de 91, quando a música foi composta. Vedder juntou a isto uma experiência pessoal, um estudante que entrou atirando na escola e que Eddie conhecia.

Sabendo dessas histórias a letra de Jeremy fica bem mais clara e fácil de ser interpretada, vamos a ela:

 

“At home
Drawing pictures
Of mountain tops
With him on top
Lemon yellow sun
Arms raised in a V

Dead lay in pools of maroon below
Daddy didn’t give attention
To the fact that mommy didn’t care
King Jeremy the wicked
Ruled his world

Jeremy spoke in class today
Jeremy spoke in class today
Clearly I remember
Pickin’ on the boy

Seemed a harmless little fuck
But we unleashed a lion
Gnashed his teeth

And bit the recessed lady’s breast
How could I forget
He hit me with a surprise left
My jaw left hurting

Dropped wide open
Just like the day
Like the day I heard
Daddy didn’t give affection

And the boy was something mommy wouldn’t wear
King Jeremy the wicked
Ruled his world
Jeremy spoke in class today
Jeremy spoke in class today

Try to forget this,
Try to erase this,
From the blackboard.”

 

No começo da letra somos apresentados a esta criança, Jeremy:

“Em casa
desenhando figuras
de topos de montanhas
com ele mesmo no topo
sol amarelo limão
braços erguidos em V

Os mortos caídos em poças marrons abaixo
Papai não dava atenção
para o fato de que mamãe não ligava
Rei Jeremy, o perverso
Governava seu mundo”

Jeremy é uma criança solitária, possivelmente psicopata, que não tem a atenção e o amor necessário dos pais e que se desenha em devaneios de grandeza governando o mundo que ele tanto odeia (o mundo DELE), com as pessoas todas mortas aos seus pés, as pessoas que o fazem se sentir mau, estranho, deslocado. Qualquer um que já esteve em uma escola (ou seja, todo mundo) sabe que o ambiente escolar é propício para ampliar o sofrimento de crianças assim.

Na sequência da letra entra o curto refrão: “Jeremy spoke in class today” (Jeremy falou na aula hoje), uma maneira muito sutil da letra nos antecipar o destino da personagem.

“Eu me lembro claramente
mexendo com o menino
Parecia um merdinha inofensivo
mas nós libertamos um leão
rangeu seus dentes
e mordeu o seio da menina no recreio
como eu poderia esquecer?
Ele me acertou com uma esquerda de surpresa
minha mandíbula ficou ferida
ferida e aberta
assim como o dia
como o dia em que eu ouvi
Papai não dava afeição
E o menino era algo que mamãe não poderia vestir
Rei Jeremy, o perverso
Governava seu mundo”

Nesta parte ele descreve Jeremy como “um merdinha inofensivo“, ou seja, uma pessoa que seria fácil de se provocar e alvo de bullying. Cabe lembrar que Vedder disse em entrevistas que lembra de ter tido altercações com o menino que se matou em sua escola, então temos um teor ligeiramente autobiográfico aqui.

A provocação fez Jeremy explodir, como é comum em vítimas de bullying, normalmente leva muito tempo pra acontecer, mas é um efeito de mola, você pressiona tanto que eventualmente ela volta na sua cara. Normalmente esse tipo de explosão pode ser completamente autodestrutiva, mas às vezes é violenta. Ele descreve como tendo “libertado um leão“, ou seja, uma fera irracional e incontrolável. Jeremy ataca e morde o seio de uma menina no recreio, percebam a simbologia forte de ausência de figura materna, “mamãe não ligava“, então o primeiro ataque dele é abocanhar um seio, algo que inconscientemente lhe faltava, como símbolo de maternidade. Depois Jeremy ataca o próprio eu-lírico com um soco de surpresa, quebrando sua mandíbula. Eu ofereço aqui uma explicação alternativa, Vedder está se incorporando à história contada na letra, quando ele diz que Jeremy pegou ele de surpresa podemos entender que a notícia que ele leu no jornal o pegou de surpresa. Ele usa mandíbula, que em inglês é jaw, que faz parte da expressão jaw dropping, em português, de queixo caído. Ou seja, o eu-lírico foi surpreendido pela notícia. Depois ele fala que a mandíbula (ou queixo) ficou ferido e aberto como no dia em que ele ouviu. Ouviu o quê? Aqui pode ser tanto a notícia do suicídio de Jeremy, quanto o “discurso” que Jeremy fez para a classe.

Ele volta a falar que os pais não ligavam pro menino, usando uma interessante metáfora ao dizer que ele não era algo que a mãe queria vestir, ou seja, não era algo que a interessava, não era algo que fosse útil a ela.

“Jeremy falou na aula hoje

Tente esquecer isso,
tente apagar isso,
da lousa.”

E ele conclui a canção dizendo novamente que Jeremy “falou” na aula, esse falar simboliza que ele disse o que queria dizer, mas no caso não foi em palavras, mas com um gesto, o gesto de tirar a própria vida. O eu-lírico te desafia a esquecer essa história, a apagá-la da lousa, o que aqui pode ter sentido literal, pois com certeza o sangue do menino se espalhou pelo quadro negro quando ele se matou.

 

O Videoclipe

 

Não poderíamos falar de Jeremy sem comentar seu absurdo videoclipe. Eddie Vedder pediu para que o fotógrafo Chris Cuffaro fizesse um clipe para a banda, mas a gravadora se recusou a investir dinheiro no projeto, fazendo com que Cuffaro tivesse que vender seus móveis pra colocar dinheiro do bolso. Ele gravou o clipe com o ator Eric Schubert, mas acabou que o clipe foi refeito pelo diretor Mark Pellington (por conta do lançamento de Jeremy como single em 1992), dando uma ênfase maior na edição rápida cheia de mensagens subliminares e em Vedder como figura central, com pouca participação do restante da banda, que é muito presente no clipe original. Confiram ambos:

 

A versão original de Cuffaro

 

A versão oficial, de Pellington

 

O clipe de Cuffaro é muito experimental e até inovador pra época, usando técnicas arcaicas mas inteligentes de filmagem, mas o clipe de Pellington é pura arte e acho que neste caso a gravadora fez bem em patrocinar uma nova versão. A versão oficial do clipe virou um clássico atemporal e figura em basicamente qualquer lista de melhores videoclipes de todos os tempos. No clipe é deixado bem mais claro o destino de Jeremy, apesar de ele não se matar em cena, fica claro o que aconteceu e a cena de todos os alunos paralisados, sujos com o sangue de Jeremy é fabulosa.

 

Extra

 

Escutem também esta excelente versão ao vivo de Jeremy, gravada na Holanda em 1992, no festival Pink Pop

 

Extra 2

 

O clipe oficial tinha originalmente um final mais claro, com Jeremy colocando a arma dentro da boca antes de aparecer a cena das crianças sujas de sangue. Este final foi cortado por pedido da MTV, que não iria exibir algo tão pesado, abaixo a cena pra quem quiser conferir.

 

Lista das edições de Desvendando os Clássicos

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Nerd: Arthur Malaspina

Arthur Malaspina é professor de português, nerd irrecuperável e humorista ocasional. Também não consegue se manter longe de discussões, seja na vida real, seja na internet. Tem opinião formada sobre praticamente tudo no mundo... mas não se preocupem, fica mais legal com o tempo. Co-proprietário do blog Han Atirou Primeiro (hanatirouprimeiro.blogspot.com.br). Twitter: @arthurskywalker

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