Uma boa parcela da população pode crescer acompanhando algo e isso é mágico. Ver uma obra crescendo junto de você e a própria percepção dela ir mudando conforme seu próprio conhecimento muda, adquire mais peso e mais maturidade para entender melhor os meandros que essa mídia tem e foi ganhando conforme os anos, é poder dizer que aquilo não só te moldou como te modificou desde o principio dela. Uns cresceram com Harry Potter (livro e filme) e acredito que grande parte da legião de fãs apaixonados pela obra até hoje cresceu com o personagem Harry Potter, ou mesmo quem acompanhou no cinema que pode ver o trio principal crescer e se tornar adultos, hoje com carreiras separadas, mas sempre sendo lembrados justamente pelo público com grande carinho por causa disso. Todavia, eu não cresci com Harry Potter, mal vi os filmes e nem sei a cor dos livros. Eu cresci com os filmes do X-Men e com um personagem específico, um tal de cara com garras. Voltar para ver o primeiro filme me remete a lembrança dos meus quatro anos, deitado no sofá com meu velho (naquela época, não tão velho) e ver aqueles caras de roupa de couro, poderes maneiros, aquele vilão de fala carismática até pra uma criança e obviamente, ele, o Wolverine, com toda aquela coisa animalesca e de fala grossa, não hesitando em mandar alguém pastar. É, na época, era o máximo de um ‘’vá pra puta que pariu’’ que tínhamos.
Aquele personagem pra mim era aquilo, um homem com garras batendo em super-vilões enquanto andava com uma motoca maneira, tinha alguma coisa que eu não entendia com a Jean Grey e uma rivalidade com o Scott Summers. Para um garoto de quatro anos, aquilo era mais que suficiente para amar o personagem e seguir vendo os X-Men. Todas as minhas lembranças de X-Men acabam sendo essas, eu sentado no sofá, com meu velho, vendo os filmes e achando tudo maravilhoso, tudo perfeito, todo mundo ali defendendo alguma coisa porque eram bonzinhos contra os vilões que por algum motivo eram malvados. Isso até eu crescer. Crescer significa mudar seus conceitos, não só isso, aprender conceitos novos. O mundo não é tão colorido ou preto no branco. Existe maldade na bondade, existe bondade na maldade, existem vilões que não se vêm como vilões e heróis que não são exatamente heróis. Foi assim, mais anos lendo as HQs, consumindo informação e história do mundo, que finalmente compreendi o que um tal de Stan Lee, aquele senhor simpático, que aparecia em todo os filmes de herói que eu via, queria dizer. Os X-Men eram a minoria em um mundo onde a tendência é odiar o desconhecido, e o próprio Magneto, um vilão aos olhos do mundo, oferecia a esses mutantes um discurso que finalmente os elevava como próximo passo da genética e o Professor Xavier desejava uma ponte entre os humanos e os mutantes. Malcom X e Martin Luther King. Essa visão – já de um pré-adolescente com problemas sociais – foi o que me fez me apaixonar mais uma vez por aquele grupo de ainda roupa de couro e de vez em quando, puxado por cordinhas e nesse ínterim, havia o Wolverine. Wolverine, esse personagem bidimensional, que não sabe expressar muita coisa e só tem aquela raiva animalesca. Cada vez menos ele me parecia atraente, só ficando na margem do legal. O personagem legal. Assim como meu pai, afinal, existe mais uma coisa em crescer, que significa rebelar, principalmente contra aqueles que antes, eram seus heróis. Seus heróis de capa não são infalíveis, não são super e de vez em quando, nem são heróis aos seus olhos mais, são vilões de sua história, são aqueles que cortam seu barato, lhe punem com coisas que não são sua culpa e te dificultam a vida, sem motivo nenhum e eventualmente, bem eventualmente mesmo, são aquele ‘’cara legal’’. Em algum ano aí, não me recordo qual e desejo não recordar, recebi uma cópia obviamente pirata de X-Men Origins: Wolverine e… Bem, era uma versão mal acabada, com tosqueiras de coisas que deveriam ter saído da pós-produção e mal terem sido acabados na edição, mas era o Wolverine, aquele personagem legal, naquela história não tão legal assim e cada vez que você retorna menos legal ela fica, mas ei, ainda tinha garras… E um Deadpool com lâminas no braço, mas ainda tinha garras, dá pra sobreviver e se você prestar mais atenção, só mais um pouco, você percebe que o Logan teve uma vida difícil, mas acho que com meus prováveis doze ou treze anos, isso também era um pouquinho irrelevante.
Mais filmes dos X-Men vieram, alguns bons, outros nem tanto, teve aquele terceiro que também não é tão legal assim, mas tem aquela cena da morte da Jean Grey que naquela época era boa, teve o First Class que já aos quatorze ou quinze era fenomenal e o Magneto cada vez mais me subia no conceito, agora com toda uma nova roupagem e menos preto, com atores que eu já sabia o nome melhor e começava a me atentar a esses detalhes. E teve Wolverine Imortal, mas uma vez, aquele filme até legal, com um final meio estranho e mais uma vez, com aquele personagem legal, só que agora com mais dor e mais feroz, na medida do possível claro. Nesse ínterim, minha vida já havia mudado mais uma vez. Agora era um aluno fracassado que não se adaptou as mudanças, com um pai rígido e sério que não me compreendia mais, não era mais nem perto do ‘’cara legal’’, agora era só ‘’aquele cara’’, aquele que vem pra te punir pelo seus fracassos e escolhas estranhas que você anda fazendo na sua vida e cada vez menos, ver X-Men se tornava um costume meu, mas na dele e mesmo que víssemos no mesmo espaço, não era mais a mesma coisa, mesmo quando veio Dias de um Futuro Esquecido, naquela época, já com meus dezesseis e pagando o ingresso dele com o meu trabalho, parecíamos distantes. Falando do mesmo filme, a mesma língua, mas um distante do outro, por algum motivo. Certo, esse texto está ficando um pouco cansativo. Onde o Logan entra nisso? Certo, vamos pular X-Men Apocalypse porque realmente não tem muito a se dizer daquele filme além de um filme bem OK, mesmo que a mídia insista em dizer que não é. Logan veio em 2017, mas a curiosidade veio desde 2016, com as novidades de que seria inspirada em Old Man Logan, uma HQ deverás interessante e pesada, além da última vez que o Hugh Jackman (Agora eu sabia seu nome) reprisaria esse papel. Sendo honesto, eu tive dúvida desde o anúncio até a hora que comprei o ingresso, afinal, Logan na minha cabeça ainda era um cara nos cinemas meio bidimensional, com potencial meio murcho e toda a internet parecia estar comemorando a volta de Jesus aclamando que aquele era ‘’O Melhor Filme do Wolverine de Todos’’. Com uma carga de suspeita, vi Logan tarde, prestes a sair do cinema e pude ver numa sessão que estava lotada(!!!), confuso, apenas aceitei o lugar que tinha e me acomodei ali. Foi quando tudo mudou.
Ver aquele personagem que eu cresci vendo parecer ficar mais forte e até mais charmoso, estava acabado, cansado, destruído psicologicamente e emocionalmente, acima de tudo, menos feroz. Aquele era o Wolverine que eu cresci vendo? Era um misto perfeito entre o choque e alguma coisa no meu interior dizendo ‘’eu estou vendo algo genuíno aqui’’. Tudo no filme remetia a algo cansado, algo desértico, seco, sem vida, não importa quantos neons aquelas cidades pareciam ter, tudo estava perecendo. O segundo golpe, foi ver quem foi uma inspiração quase paternal tanto pra mim, quanto pro Logan, tão abatido e destituído de sua aparente, antiga glória, agora, Charles Xavier, o maior telepata do mundo, não passava de um velho com Alzheimer e tão desolado quanto o Logan. Não cabe a eu fazer uma crítica a esse filme, mal consigo ser imparcial e só consigo dizer que, aquele filme, cada coisa nele me tocou de uma forma tão profunda que ao sair do cinema, depois daquele fim e saber que foi a última vez que veria aqueles personagens, aquele ‘’personagem legal’’, me destruiu.
Eu vi um personagem crescer, vi um personagem se tornar legal e só quando ele deu seu último adeus, eu compreendi entendi algumas coisas. Compreendi a falta que o Hugh faria na minha vida naquele papel, compreendi meu amor por X-Men e compreendi meu herói de uma forma plena. Não o Wolverine, mas finalmente, o homem que me permitiu conhecer ele, meu pai. Aquele homem que me mostrou como é gostoso passar uma tarde vendo filmes, que me instigava a ser criativo, a imaginar e a pensar, criticar, ser um homem honesto e com ética. Não só isso, eu pude não só ver as falhas dele, como ele se elevou aos meus olhos como um exemplo que deveria ser o meu desde o começo e que só hoje, só agora, como um homem entrando na vida adulta, consegui entender. Esse texto, simplório e até meio sem graça, só serviu pra isso. Pra poder dizer oficialmente adeus a um herói e para exaltar outro, simples assim. Adeus, Hugh, eu te devo muito e adeus Logan, meu velho herói.