Dark Romance e a normalização da violência

Antes de tudo, preciso avisar que esse texto vai abordar temas sensíveis como violência contra a mulher, abuso sexual e relações abusivas. Caso esses temas possam causar desconforto ou despertar lembranças difíceis, recomendo cautela na leitura.

Dark Romance e a romantização da violência contra a mulher

Dark Romance: Quando o entretenimento esbarra na normalização da violência

Eu sou a pessoa que defende a liberdade de cada um escolher o que é melhor para si no que diz respeito à leitura. Gosta de autoajuda? Leia. Gosta de devocional? Vai fundo. Gosta de literatura erótica? Toma aqui um livro. Mas não consigo defender algo que além de não acrescentar, ainda pode atrapalhar. E creio que esse seja o caso do Dark Romance.

Nos últimos anos, o gênero literário tem ganhado cada vez mais espaço entre leitores, majoritariamente composto por mulheres adolescentes. As histórias intensas, com paixões arrebatadoras e personagens moralmente ambíguos, geralmente vêm recheadas de cenas de sexo explícitas. Muitas delas são completamente absurdas. Mas até aí, tudo bem. O problema está no fato de que, por trás de uma estética sombria e de enredos cheios de reviravoltas, muitas dessas histórias romantizam a violência, o abuso e, até mesmo, o estupro.

O que está sendo vendido como amor?

Em muitas dessas obras, é bastante comum se deparar com personagens masculinos controladores, agressivos e violentos com a protagonista. Mas são retratados como “interesses românticos irresistíveis”. A narrativa, na maioria dos casos, envolve relações de poder desequilibradas, abuso psicológico e até mesmo estupros tratados como “desejo reprimido” ou “jogos de sedução”.

O pior é que todas essas red flags são justificadas por passados traumáticos, recheados de abusos. Consequentemente, deixando a mulher na posição resiliente de terapeuta, a que será capaz de curar suas dores. Esse discurso é basicamente a ideia de que o amor pode ou deve salvar alguém violento. Talvez o perigo dessa ideia não esteja tão óbvia, já que ela vem sendo replicada em todos os livros do gênero.

Dark Romance gera um problema que vai além da ficção

E claro que entendo que a ficção deve exercer de total liberdade criativa. No entanto, ignorar o contexto social do conteúdo é pecar por omissão. Histórias como Assombrando Adeline e Credence estão sendo consumidas por adolescentes, muitas vezes dentro das escolas. Garotas, que ainda estão em formação, têm tido acesso irrestrito a esse tipo de conteúdo.

E, em vez de receberem uma formação crítica sobre relacionamentos saudáveis, consentimento e autonomia, então absorvendo mensagens distorcidas de que violência é prova de amor e que o sofrimento da mulher é necessário para a redenção do homem. Isso se torna preocupante especialmente aqui no Brasil, onde os índices de violência contra a mulher e feminicídio vêm crescendo a cada dia.

Naturalizar dinâmicas tóxicas, em especial entre o par romântico, pode reforçar comportamentos abusivos na vida real. Entre meninas, que passam a aceita-los como normais, e entre meninos, que reproduzem a atitude achando que estão agindo como esperado.

Precisamos falar sobre isso

Histórias onde a protagonista termina a trama com o garoto que a estuprou, ou quando o interesse romântico bate (várias vezes) na mocinha e ela aceita porque são os traumas do passado que o fazem ser assim. Ou ainda quando o homem “irresistível” stalkeia a personagem, a ponto de matar alguém por se relacionar com ela, a masturba usando uma arma de fogo (carregada) enquanto ela diz “não”, mas ela se apaixona incondicionalmente por ele. Esses são só alguns exemplos. Os mais leves.

Mas calma que a discussão não é sobre censura, mas sobre responsabilidade narrativa. Autores têm o direito de escrever sobre o que quiserem. Dor, traumas, personagens problemáticos etc. Mas existe uma diferença entre falar sobre violência e romantizá-la. Por isso, é preciso mais atenção dos pais e educadores quanto ao tipo de conteúdo que os jovens estão consumindo. O debate que auxilie na diferenciação de fantasia e realidade, erotização de abuso e subjugamento de consentimento mútuo, nunca se fez tão necessário.

Grandes poderes vêm com grandes responsabilidades

A literatura tem poder. Ela é capaz de questionar estruturas opressoras, expor problemas da sociedade e propor debates inspiradores. Mas, como qualquer poder, também pode ser mal utilizado. Quando isso acontece, ela pode se tornar cúmplice de narrativas que perpetuam o sofrimento da mulher. Pior, que a normalizam.

No caso do Dark Romance, o limite entre o envolvente e o irresponsável vêm sendo mais ultrapassado a cada novo volume lançado. Infelizmente, ignorar isso é fechar os olhos para um problema que não se restringe às páginas dos livros, mas na vida real de muitas jovens leitoras que tomam por verdadeiro amor seus agressores.

Posts Relacionados:

Coachella: História, Evolução e os Destaques da Edição de 2025

A sombra do torturador, de Gene Wolfe, ganha edição completa no Brasil

Todos conhecem ACOTAR, mas você se lembra da Série Fever?

Não esquece de seguir o Universo 42 nas redes sociais:

Instagram YouTube Facebook

Nerd: Tamyris Farias

Designer e produtora de conteúdo apaixonada por cinema e cultura pop. Amante de terror e ficção científica, seja em jogos, séries ou filmes. Mas também não recuso um dorama bem meloso.

Share This Post On