“Eu já vivi minha morte. Agora só falta fazer o filme.” – Babenco
Lançado em 2019, Babenco – Alguém tem que ouvir o coração e dizer: Parou, estreou no festival internacional de cinema de Veneza, vencendo na categoria de melhor documentário e recebendo o prêmio da crítica independente Bisato D’oro no mesmo festival.
Dirigido e roteirizado (nessa função em parceria com Maria Camargo) por Bárbara Paz, ex-mulher de Héctor Babenco, o filme em formato de documentário, mostra os momentos finais do diretor argentino naturalizado no Brasil, mesclado com cenas dos filmes nos quais trabalhou e comentários do mesmo sobre suas inspirações, experiências e motivações por trás de seus grandes sucessos.
Conhecido por filmes como Pixote, A Lei do Mais Fraco, O beijo da mulher aranha e principalmente, o famoso Carandiru, que foi baseado no livro do médico e amigo de Babenco, Drauzio Varella, Héctor Babenca relata como sua paixão pelo cinema e pela arte de forma geral sempre o impulsionou a expor suas ideias para o mundo. Inclusive, em dado momento do documentário, ele conta que quando era criança se refugiava nos livros como uma espécie de “abrigo seguro”, chegando até mesmo a torcer para ficar doente para que pudesse faltar à escola e ficar em casa lendo.
O diretor também fala sobre o fato dele ser um argentino vivendo em terras brasileiras, trabalhando com brasileiros, casado com uma brasileira, dirigindo produções nacionais. Ele diz não se sentir aceito no Brasil e ao mesmo tempo, ter dúvida sobre se, na verdade, não é ele mesmo que não se aceita no Brasil. Os brasileiros o enxergam como argentino, enquanto os argentinos pensam que ele é brasileiro.
Apesar do auto-questionamento a respeito do real pertencimento ao nosso país, Babenco deixa claro que prefere o Brasil do que a Argentina em Relação à produção de arte. Segundo o cineasta, aqui a realidade supera a ficção. Ou seja, a realidade brasileira é tão rica de discussões, de contradições, hipocrisias, desigualdades, “personagens” complexos, que se torna mais interessante que a própria ficção. A realidade brasileira tem beleza na mesma proporção que tem desgraça e por isso, já carrega a arte dentro de si. Pensando desse modo, é fácil de entender porque Héctor Babenco achava o Brasil um lugar mais inspirador para criar seus filmes do que sua pátria de origem.
A parte que mostra os bastidores de Carandiru também é interessante. Babenco aparece dirigindo uma cena do longa e enquanto cenas do filme passam na tela, ele comenta com Bárbara Paz sobre sua prisão. Babenco diz que caminhava de um lado para o outro no presídio e que foi aí que ele pegou o hábito de ficar andando enquanto lia os roteiros de seus filmes.
Contudo, a prisão também lhe trouxe consequências positivas. Se não tivesse passado por essa experiência, sentido na pele como é estar atrás das grades, privado de liberdade, talvez Héctor não tivesse feito um ótimo trabalho em Carandiru. Como o próprio diz em um trecho de uma entrevista antiga que é mostrada rapidinho no documentário, por já ter estado na prisão, ele sabe bem o que é ficar recluso da sociedade. Com certeza, essa fase de sua vida fez com que o livro de Varella lhe chamasse tanta atenção.
Pontos falhos de Babenco
Babenco- Alguém tem que ouvir o coração e dizer: Parou é um documentário muito mais voltado a quem já conhece e é fã do trabalho do diretor do que a quem não sabe ou sabe pouquíssimo sobre sua trajetória pessoal e profissional. É nítido o tom de homenagem que permeia durante seus 75 minutos de duração. Pode-se dizer que é um trabalho íntimo, feito para a família, amigos, colegas de trabalho, fãs e claro, para o próprio Babenco. Foi neles que Bárbara Paz, Babenco e os demais envolvidos provavelmente pensaram ao produzir esse documentário.
O objetivo é trazer um compilado de memórias afetivas do cineasta para servir de recordação quando a saudade apertar e não, fazer um filme espetaculoso, estilo hollywoodiano, para atingir o grande público. Não é com o show business que se preocuparam. Muito pelo contrário. O compromisso do documentário é com a verdade, com a sensibilidade e, acima de tudo, com o legado de Héctor Babenco.
Escolha esta, que apesar de compreensível, torna o filme um pouco confuso para quem não está familiarizado com o universo do diretor e gostaria de saber mais sobre ele. A busca em fazer um documentário para os íntimos acaba por afastar aqueles que poderiam se interessar pela vida e obra de Babenco. Contudo, dá pra entender que a proposta não era divulgar seu trabalho e disseminar sua imagem (como muitos devem estar pensando), mas sim, uma forma de se despedir e relembrá-lo após sua morte.
De qualquer forma, faltou abordar a infância e adolescência do cineasta, assim como seus relacionamentos amorosos e filhos. Até mesmo sua relação com Bárbara Paz é apresentada de forma bem discreta, sem que ninguém mencione nenhum detalhe sequer sobre como se conheceram, como era a convivência entre eles, como lidavam com a diferença de idade de quase 30 anos, etc. Na verdade, Bárbara nem aparece muito durante a exibição. Sua voz apenas entra em cena quando está dialogando algo com o marido. O trabalho dela se concentrou no por detrás das câmeras mesmo.
Além dessas questões citadas, algo que pode incomodar quem assistir ao documentário nos cinemas nacionais é a falta de legenda. Por mais que Babenco tenha sido naturalizado no Brasil e fale português perfeitamente, o sotaque argentino dele é muito forte. Por isso, juntando a pronúncia com o fato dele ter gravado o documentário em seus momentos finais (onde já estava acometido pela velhice, doença e todas suas consequências como; fragilidade, falta de fôlego, tom de voz baixo e cansado), em vários momentos fica muito difícil entender o que ele está falando, precisando rever várias vezes a mesma cena para entender o que foi dito.
Possível candidato a concorrente na categoria melhor filme estrangeiro no Oscar 2021
Já foi anunciado pela Academia Brasileira de Cinema e Artes Visuais que “Babenco – Alguém Tem Que Ouvir o Coração e Dizer: Parou” irá representar o Brasil na disputa por uma vaga na categoria Melhor Filme Internacional no Oscar 2021.O documentário foi selecionado numa disputa com outros 19 longas-metragens.
Gostando ou não do projeto, precisamos reconhecer a importância que Babenco teve para o cinema e para a cultura brasileira. Ele é um cineasta que merece ter sua obra difundida pelo mundo.
Agora só nos resta torcer para que seu legado seja aplaudido através da entrada de seu documentário na lista dos indicados ao Oscar, que acontecerá dia 25 de Abril de 2021.