Corrente do Mal (e os filmes de terror hoje em dia)

Faz anos que a indústria dos filmes de terror está mal das pernas, e isso só vem sendo revelado ao público ano após anos. Seja honesto comigo, leitor, você consegue engolir mais algum Atividade Paranormal? Mais algum filme de temática já batida e cansativa, cuja única proposta é lhe dar sustos a cada 20 minutos, não porque seu enredo está criando o clima tenso, mas simplesmente, porque te jogam algo na cara?

O cinema voltado ao terror parece uma daqueles joguinhos lá que fez fama no YouTube, o tal Five Nights At Freddy’s, onde seu medo maior é de um grito estridente do que pela atmosfera imposta, além de estar fadado a uma repetição sem fim até finalmente atingir seu clímax que é… Tomar outro susto randômico?

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Verdade seja dita, o terror de hoje em dia não foi feito para quem ama filmes ou games de terror (a atmosfera em si e seu enredo), e sim para quem apenas gosta de tomar os famigerados jumpscares. Obras de terror/horror foram feitas para criar um clima, uma atmosfera, brincar com suas expectativas, te enganar, fazer temer pelos personagens que estão na tela, enche-lo de medo até finalmente, ver o fato que te fará descarregar momentaneamente seu medo.

Mas não vou ser tendencioso, há sim filmes muitos bons sendo lançados do gênero, que merecem destaques como Invocação do Mal, Deixe-me Entrar, A Entidade, Babadock, A Bruxa e Corrente do Mal, sendo este último um caso bastante especial, pra ser bem franco.

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Corrente do Mal trata-se da história de Jay (Maika Monroe), uma garota de 19 anos que mora no subúrbio de Detroit, que começou a sair com um rapaz novo do bairro, Hugh (Jake Weary). Após perder sua virgindade com ele em um encontro, acaba descobrindo que ele trazia uma maldição consigo que não é uma DST, infelizmente para ela  é transmitida sexualmente. A partir deste momento ela começa a ser acompanhada por uma entidade que irá mata-la, caso ela não passe a maldição. Porém se o próximo amaldiçoado morrer, a maldição retorna ao seu transmissor e tudo recomeça.

O filme ganha seus pontos por pegar um clichê tão velho dos antigos filmes de terror dos anos 80, o fator “garotas que fazem sexo morrem em filme de terror“, fazendo do sexo a chave para ele. Uma clara alusão as DST’s e aos antigos transmissores de AIDS que faziam isso deliberadamente em forma de vingança por terem pego a doença. Não só isso, a entidade perseguidora não corre, ela anda e pode ser qualquer pessoa: desde um completo anônimo a alguém que você conhece, o que torna tudo ainda pior e cria um sentimento de paranóia durante o filme todo, afinal, qualquer um pode ser essa coisa.

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O diretor David Robert Mitchell retoma aos filmes de terror dos anos 80, com uma trilha sonora composta de sintetizadores, mas descarta seus clichês ao optar por um ritmo lento. Ele não tem pressa em apresentar ou fazer algo, ele vai fazer na hora dele, ampliando a sensação de paranoia.

A fotografia é cinza, uma melancolia profunda, mas o design é o que cria uma sensação de confusão ao espectador. Existem elementos que em tese deveriam datar o filme, como TV’s antigas em preto e branco, os tipos de carros e alguns eletrônicos, mas dentro desse universo quase atemporal, existem celulares.

Mas a única coisa, o único ponto que acaba com o filme, é ele não seguir suas próprias regras.

Em um filme de terror, em algum ponto, o enredo vai estabelecer regras com você de alguma forma, explícita ou implícita. Ele vai dizer que, por exemplo, o espírito não irá embora enquanto a personagem não matar alguém e que será assombrada por ele até fazer isso. Se o diretor tiver noção disso e ciente dessas regras, conduzirá o filme de forma com que essas regras sejam seguidas ou não, mas apontará os porquês, sempre.

Se a regra não se aplica mais, tem uma explicação, se algo mudou, as regras mudam. É quase sempre assim, seja com entidades, espíritos, demônios, assassinos seriais ou qualquer outro tipo de ser, mas, Corrente do Mal acaba esquecendo-se de suas próprias regras que um espectador mais atento irá perceber e isso é prejudicial a um filme cuja proposta é tão boa e ousada. O que o torna em um filme bom, mas com tanto potencial para ser ótimo. É quase um crime.

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Corrente do Mal é um bom filme, com atuações regulares para boas, uma atmosfera envolvente, uma paranoia gostosa de curtir. Aposto que se pegará olhando entre os figurantes para descobrir quem é a entidade, mas falha dentro do seu próprio jogo, acabando com uma boa parte da magia, mas ainda assim é uma lição para uma indústria que está mergulhada em mediocridade e clichês já batidos.

Nerd: André Arrais

Pseudo-Cult, apreciador de café, ama quadrinhos como ninguém, rato de biblioteca, gamer casual, não sabendo tirar selfie desde sempre e andando na contra mão dos gosto populares. Finge é cheio de testosterona, mas vive rodeado de gatos. Esse é o meu design.

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