Dizer que Clube da Luta é uma das maiores, se não a maior, influências da cultura pop atual. É tão fácil quanto afirmar que George Méliés é fundamental para o cinema, Alan Moore é para os quadrinhos e J.R.R Tolkien é para a literatura fantástica. Clube da Luta transcende o livro, assim como o filme transcendeu sua própria mídia, esticando sua sombra para qualquer obra de teor mais disruptivo e político, não demorando a qualquer crítico logo recorrer a ele como base de parâmetro.
Com a sua continuação em quadrinhos já finalizados e agora publicados em formato único pela editora Leya, revisitar tais obras se torna não só necessária, como obrigatória.
As pessoas me perguntam se conheço Tyler Durden…
Escrito por Chuck Palahniuk e publicado em 1996, Clube da Luta se trata da história da pessoa mais medíocre que um dia pisou na Terra. Seu nome? Podemos chamar de Você, mas para termos mais simples, chame de Narrador. Ele trabalha na parte de risco de uma concessionária automobilística, seu trabalho que aprisionou você consiste em calcular se um veículo problemático vale a pena ser recolhido.
Narrador sofre de insônia e procura em grupos de apoio, o conforto emocional que precisa, entre as merdas que você não precisa as mobílias caras, acredita estar perto de se sentir completo, até duas figuras atingirem sua vida, Tyler Durden e Marla Singer.
Ela é uma visitante dos grupos de apoio do Narrador, a mentira dela reflete na dele, não conseguindo mais sentir nada e retornando a ter insônias, já Tyler é a figura que traz ao Narrador, uma alternativa aos grupos, mas para isso, precisa perder tudo que te escraviza e começar algo que o possa libertar, algo mais masculino, mais… Violento.
De escrita fácil e leve, ler Clube da Luta é prazeroso, simples, não requer de você um extenso vocabulário, mas demanda sua capacidade de levar uns socos no estomago correlacionar com a opressiva realidade medíocre que vive. Ler esse livro significa ter alguém constantemente te criticando, espancando sua cara no chão e te obrigando a ver a dura verdade, que você não é especial, de que é bem possível que Deus não se importe contigo, que não passa da merda que canta e dança no mundo, que morrer é totalmente possível em qualquer momento, na verdade, você está morrendo a cada segundo…
Sem dor, sem sacrifício, nós não teríamos nada.
David Fincher, antigo diretor de videoclipes e do desastroso Alien 3, havia dirigido o impecável Seven – Os Sete Crimes Capitais com Brad Pitt, Morgan Freeman e Kevin Spacey, provando sua capacidade primorosa de contar histórias de peso e profundidade única, topou dirigir a adaptação do controverso livro e em 1999. Clube da Luta vinha aos cinemas com Edward Norton como Narrador, Helena Bonham Carter como Marla Singer e Brad Pitt em sua atuação destrutiva e afiadíssima como Tyler Durden.
A adaptação assimila todos os elementos do livro, mas ainda consegue ter uma identidade própria extremamente marcante que até hoje, é visto como algo que define a obra como um todo. Impecável para alguns, extenso e subversivo para outros, apesar da baixa bilheteria e mais controvérsias, mas afinal, do que se trata Clube da Luta?
De mim. De você. Do seu vizinho. Do seu pai. Do meu pai. Do seu colega. De qualquer pessoa que conheça. De uma geração perdida entre um profundo vazio existencial. De garotos que continuam garotos já que seus pais foram-lhe ausentes de alguma forma (divórcio ou focados em seus trabalhos), que cresceram e acabaram sendo eternamente garotos, sendo introjetados à um sistema consumista que lhe obriga a trabalhar em empregos que odeiam, para possuir coisas que não importam, que lhe farão mais ‘’homem’’, como carros, um apartamento caro.
Somos definidos por números em bancos, pelas marcas de nossa cueca, pela definição de nossa barriga, somos produtos feito para outros homens e para mulheres, estamos morrendo a cada dia, percebendo que não nos tornamos pessoas influentes e ricas, não completamos os sonhos que também nos foram enfiados que seríamos um Brad Pitt. Estamos com raiva. Muita raiva. Mas ainda somos vazios. Ainda somos garotos, vivendo como garotos, mas não somos homens feitos, não sabemos nem como é se sentir um homem de verdade, realizado consigo mesmo.
Nunca se tratou de um livro anarquista, nem de um filme sobre destruir o sistema. O único sistema que temos que destruir as únicas regras que temos que nos libertar, são as que estamos impondo às nós mesmos e sendo impostos pelos outros. Não quer ser um advogado e sim, um músico? Saia do seu emprego jogue seus ternos caros no lixo, compre seu instrumento, corra atrás. Quer viajar o mundo? Vai fundo. Quer fazer uma academia? Faça porque quer ter uma saúde melhor e não porque quer ser sarado pras mulheres. Não precisamos de mulheres, precisamos atingir as coisas que nos foram negadas há tanto tempo. Nossa própria realização. Não precisamos morar num apartamento caro, nem dirigir o carro mais potente, nem sequer precisamos do carro, precisamos fazer algo que valha, para alguém ou para você mesmo.
Faça da sua vida, algo que valha para si, somente para si, não seja um advogado porque seu pai quis, ou um médico porque a condição de vida é melhor, seja você. Não seja mais um homem castrado. Nem uma mulher castrada, por mais que Clube da Luta tem maior apelo ao público masculino, também há mensagens poderosas para qualquer mulher que deseje se empoderar. Quem trata Clube da Luta como um hino à qualquer revolucionário ou anarquista, não extraiu com exatidão, o que Chuck queria passar pra uma geração de homens e garotos tão deslocados e é por isso que ele é subversivo, só por isso, por te jogar no chão, socar sua cara contra o chão e enquanto a dor lhe tira o ar, a dor de perder tudo, vem a elevação, a sensação de estar livre para fazer qualquer coisa, afinal, nada te prende mais, não tem mais nada a perder.
(Spoilers de Clube da Luta a seguir. Leia por conta e risco, apesar de já ser de conhecimento da maioria sobre a natureza de Tyler Durden, certo?)
Erga-ze ou Morra
Em 2014, Palahniuk anunciou que teria uma continuação de Clube da Luta 2, como seria em quadrinhos, com os desenhos de Cameron Stewart (Batgirl, 2015).
Ali, havia um misto de êxtase, desespero e medo dentro os fãs fieis a obra, afinal, revisitar Tyler seria maravilhoso depois de tanto tempo, mas as chances da obra não fazer jus ao livro e acima de tudo, ao filme tão influente lançado há mais de 10 anos atrás, dominavam, além de não haver uma necessidade real de uma continuação, mesmo que no livro haja um final extremamente em aberto e até aterrorizante em minha opinião, a mensagem do livro continua tão viva quanto antes, tão pesada quanto antes e até mais agressiva conforme se revista à obra.
Comemorando os 20 anos de publicação do livro, Clube da Luta 2 foi publicado entre maio de 2015 e março de 2016, com o seguinte enredo: nove anos se passaram desde os primeiros eventos de Clube da Luta, Sebastian (ex-Narrador ou Jack) se tornou novamente, mais um trabalhador, com uma vida no subúrbio com sua esposa, Marla Singer e seu filho, Júnior, cuja relação não é das melhores.
Marla, entediada e cansada da vida sem graça devido ao seu marido quase sempre dopado pelos remédios que lhe permitem manter o controle, decide alterar sua medicação para trazer de volta, Tyler Durden, seu alter ego revolucionário que sequestra Júnior e mais uma vez, obriga Sebastian à sair de sua vida normal e retornar para um ciclo interminável de violência e destruição, agora em um escopo global, sendo um risco maior para toda e qualquer sociedade moderna.
Não. O quadrinho não conversa com o filme de maneira alguma, de forma alguma. Acredita que lendo esse quadrinho, poderá reviver o carisma único de Pitt como Durden, desista do quadrinho, não gaste seu dinheiro nessa continuação, ela foi feita para quem leu o livro, tendo uma crítica do próprio autor dentro do quadrinho sobre isso (wow, metalinguagem).
Todavia, informo com pesar que de duas, uma aconteceu comigo lendo esse quadrinho. Ou eu fui incapaz de entender sua mensagem verdadeira, o que torna essa resenha menos aceitável, ou ela não existe. Conto num futuro, que alguém venha até mim e diga que estava errado. Espero mesmo…
Dentro do quadrinho, há dois núcleos que se conversam o tempo todo. Sebastian de um lado, voltando a abrir velhas feridas em relação ao Clube da Luta e o Projeto Destruição, indo cada vez mais fundo ao tentar entender o que acontece dentro das novas organizações agora que ainda que orbitem ao redor de Tyler, parecem ter adquirido viés ainda mais violentos, progredindo para uma companhia paramilitar conhecida como ”Erga-ze ou Morra”, que além de criar conflitos, age dentro deles, trabalhando constantemente no negócio lucrativo da guerra e o núcleo da Marla, esse realmente focado em buscar Júnior e de quebra, um pouco de redenção por ter sido ela (em tese) à trazer Tyler de volta para esse triângulo amoroso, todavia…
Clube da Luta 2 é confuso. Não existe palavra melhor para isso. Confuso. Perdido em tantas coisas que Chuck queria dizer, há muita coisa ali, muitas críticas que poderiam ter sido feitas e não foi aprofundado, como o casamento de Sebastian e Marla, um perfeito ensaio do que é uma união já desgastada, uma ‘’crítica’’ à Marla por ela ter ‘’traído’’ seu marido, a situação caótica do mundo ao leitor e a própria concepção do Clube da Luta.
Há tanto a ser dito, mas tão pouco realmente feito e pior, ainda tem um crime nele, algo que não necessitava existir, nem sequer ser mencionada e que já foi dita pelo próprio Chuck sobre o passado de Tyler Durden, sua criação e sua existência, algo que ainda não fui capaz de entender seu motivo, se foi puramente para construir uma imagem ainda pior de Tyler ou meramente, um esquema de roteiro para seus planos envolvendo o filho de Sebastian. Apesar de ser ótimo revisitar personagens tão queridos e ver um avanço em relação à vida deles, a decepção de não se encontrar nada substancial ali, é de tirar o brilho de uma obra com tanto potencial.
Ainda há metalinguagens poderosas ali, um humor ácido já velho e metáforas perfeitas para diversas situações, a arte de Cameron Stewart é muito bem feita e muito bem colorida por Dave Stewart, que pode ser um defeito para alguém que acredita que a arte devesse ter sido feita de modo mais realista, contudo, não vejo deméritos para a arte cartunesca que lhe confere um charme único e agradável aos olhos, não podendo deixar de citar, as capas de David Mack, obras de arte à parte que mereciam pôsters.
Apesar dos jogos de linguagens, uma presença visual dentro da HQ que justifica sua mudança de mídia e do saudosismo de rever velhos amigos imaginários, Clube da Luta 2 é um apanhado de assuntos interessantíssimos mal aprofundados como ideias, o casamento, a necessidade de um segundo pai para os filhos, dinâmica pai-filho, que torna uma obra razoável, gostosa de ler, mas que não dá a mesma sensação de ler seu percurso ou ver seu filme.
Clube da Luta 2 já está a venda em qualquer livraria, apesar da crítica não ter aprovado já foi anunciada sua sequência, Clube da Luta 3.