Chacrinha: O Velho Guerreiro desperta memórias adormecidas e diverte o novo público

“Abelardo Barbosa
Está com tudo e não está prosa
Menino levado da breca
Chacrinha faz chacrinha
Na buzina e discoteca

Ó Terezinha, ó Terezinha
é um barato o cassino do Chacrinha
Ó Terezinha, ó Terezinha
é um barato o cassino do Chacrinha”

Essa música é o primeiro contato com público que estava na cabine de imprensa, e logo as memórias de um tempo bom, com cheiro de infância, de menina moleca que subia em árvores e chupava manga no pé, invadem meus sentidos como uma onda, a princípio pequena, mas que aumenta de volume e força à medida que despertam minhas emoções.

O filme “Chacrinha: O Velho Guerreiro” teve esse poder sobre mim, e acredito, pelas risadas de cada um que assistia, que foi algo unânime, principalmente para quem viveu um pouco daquela época.

Para quem só conhece Chacrinha através das imitações ou só de ouvir falar, é, no mínimo, um filme curioso e divertido para se assistir. Eu venho acompanhando as notícias sobre essa produção já há algum tempo. O longa foi gravado em Petrópolis, na Região Serrana do Rio e teve suas cenas rodadas no antigo Teatro Santa Cecília e no Palácio Quitandinha, que cedeu seu espaço para dar luz e brilho ao Cassino do Chacrinha.

O diretor Andrucha Waddington em uma entrevista revelou que a escolha da Cidade Imperial para as gravações foi devido a magnífica riqueza arquitetônica histórica. As últimas gravações foram finalizadas no Rio de Janeiro.

Chacrinha – O Velho Guerreiro é um filme que teve origem no musical que esteve em cartaz no teatro em 2014, dirigido pelo próprio Andrucha e protagonizado por Stepan Nercessian, que continuou emprestando seu talento ao o que talvez seja sua mais emblemática atuação, que surge na tela no momento em que a trama alcança 1957, ano em que Chacrinha migra do rádio para a TV

Cláudio Paiva, Julia Spadaccini e Carla Faour foram os responsáveis pelo roteiro, que a meu ver, trouxe o glamour da época, sem puritanismo, deixando os personagens bem a vontade para atuarem dentro da linguagem própria do cinema, o que foi um fator determinante para garantir os risos nas horas certas e quebrar os dramas sem, contudo, minimiza-los.

O roteiro foi responsável também para que o filme não se escorasse apenas nos jargões tão utilizados por Chacrinha, o que foi uma surpresa extremamente agradável.

Outro fator positivo é que a interação dos personagens vão além do Cassino, se misturando enredo a dentro, com maiores destaques para Elke Maravilha (Gianne Albertoni), Rita Cadillac (Karen Junqueira), Boni (Thelmo Fernandes), Clara Nunes (Laila Garin) e Flávio Cavalcanti (Marcelo Serrado), além de Eduardo Sterblitch que dá vida ao jovem Abelardo Barbosa (na fase da juventude quando precisou de muita coragem e cara de pau para chegar a ser comunicador na era do rádio) e Rodrigo Pandolfo, como o Jorge, um dos três filhos do protagonista.

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O filme revela de forma simples (porém verdadeira) o temperamento teimoso e por vezes intransigente de Chacrinha, que se deixava se levar pela mágoa que sentia da mãe por ter se desquitado do pai, e as diversas brigas que ele teve ao longo de sua vida unicamente por conta de seu gênio forte.

Acompanhamos o preço que o velho guerreiro pagou pela fama e o dinheiro conquistados: o afastamento de sua mulher e dos três filhos.

Sua rotina extremamente forçada e cansativa, a briga por audiência primeiramente nas rádios e depois pelo ibope nos programas televisivos também é retratada pela produção, além de seu trabalho junto às caravanas, com as quais o comunicador percorria as periferias do Brasil, reproduzindo precariamente o programa da TV.

Chacrinha – O Velho Guerreiro também revela a forma como ele protegia suas dançarinas, (mesmo que isso significasse pôr seu próprio bem-estar em jogo), incluindo o carinho paternal que ele tinha por Elke, chegando a dar até um apartamento para ela.

O suposto caso com Clara Nunes, que sempre foi negado firmemente por eles em vida, não foi esquecido pela produção e foi sutilmente introduzido na trama, deixando claramente o que realmente aconteceu.

Chacrinha enfrentou problemas com a censura por conta do tamanho das roupas usadas pelas dançarinas do programa e chegou a ser conduzido para a sede da Polícia Federal onde passou cinco horas prestando depoimento.

Além disso tudo, o espectador é agraciado com as performances de vários artistas, alguns famosos até hoje e que tiveram seu início de carreira dentro do Cassino do Chacrinha, dentre os quais Roberto Carlos (Quando, de 1967)e Sidney Magal (Meu sangue ferve por você, 1976). Daúde empodera a cantora africana Miriam Makeba (1932 – 2008) no hit Pata (1967), Luan Santana interpreta Belchior em 1976, na performance de Apenas um rapaz latino americano e Criolo canta Vou tirar você desse lugar (1972), do cantor e compositor Odair José.

Essas atrações foram um show a parte e merecem aplausos a todos os que fizeram parte.

Eu senti falta do sorriso contagiante e aberto da Elke (apesar de sua longa presença em tela), das rabugices do Pedro de Lara e da forma lúdica com que Aracy de Almeida julgava, personagens estes que só apareceram para enfeitar, não tendo um só dialogo que seja, mas nada que diminua minha admiração por essa bela produção.

O pernambucano José Abelardo Barbosa de Medeiros, o Chacrinha completaria 100 anos no dia 30 de setembro de 2018. Ele morreu no Rio de Janeiro no dia 30 de junho de 1988

O filme encerra como começou, ao som de Gilberto Gil:

“O Rio de Janeiro continua lindo
O Rio de Janeiro continua sendo
O Rio de Janeiro, fevereiro e março
Alô, alô, Realengo – aquele abraço!
Alô, torcida do Flamengo – aquele abraço!
Chacrinha continua balançando a pança
E buzinando a moça e comandando a massa
E continua dando as ordens no terreiro
Alô, alô, seu Chacrinha – velho guerreiro
Alô, alô, Terezinha, Rio de Janeiro
Alô, alô, seu Chacrinha – velho palhaço
Alô, alô, Terezinha – aquele abraço!”

Quando o programa acabava, ele sempre dizia com ar sério: “Graças a Deus o programa acabou”.

Nerd: Jackelline Costa

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