NADA DE NOVO NO CÉU?
São Paulo, 6 de Dezembro, 2017, Quarta Feira – uma tarde ensolarada: primeiro dia de CCXP. Spoiler Night, dia tranquilo.
São Paulo, 9 de Dezembro, Sábado – uma tarde nublada: penúltimo dia da CCXP. Muito movimento.
Há cem anos, o céu seria o mesmo, salvo pelas intempéries climáticas e devido ao agravante do aumento de emissão de monóxido de carbono. O céu seria o mesmo, mas a vida, a sociabilidade, e tudo que vem inerente a ela, seria outra. Para todas as classes sociais, cidadãos e visitantes, o modo de desenvolvimento urbano da Capital do estado e suas mudanças intrínsecas atingiram de forma contundente essas vidas.
No período de um século, a cidade e o mundo desenvolveram-se como nunca visto. Isto no mundo ocidentalizado: os cem anos que separam diversas partes dos séculos XIX e XX foram, em termos de transformações tecnológicas e culturais, os mais acentuados. MAS VEM CÁ! COMO ISSO É POSSÍVEL E O QUE ISSO TEM A VER COM A CCXP? Calma que a gente chega lá!
SOBRE MINHA PERCEPÇÃO DA EXPERIÊNCIA VIVIDA NA CCXP E A MOTIVAÇÃO DESTA REFLEXÃO
É óbvio que tenho conhecimento do fato acima citado, mas ter ido pessoalmente à CCXP foi algo que mexeu com minha sensibilidade filosófica, além de todos os aspectos diretos e imediatos dessa experiência. Nesse sentido, cosplayers, estandes com as principais produções de estúdios internacionais, painéis com novidades dos próximos lançamentos da cultura pop, lojas de artigos segmentados (action figures, HQs, livros, vestuário, etc.) mostraram-se, para mim, como um grande fenômeno social possível devido aos fatores:
1- aspecto cosmopolita da capital do estado (referências não regionais);
2- possibilidade mercadológica mundial de envolver produções culturais (sistema econômico);
3- o advento do nicho de mercado para jovens;
4- a consolidação da cultura pop;
5- o aparecimento da identidade nerd/geek
O DESENVOLVIMENTO DE SÃO PAULO E A POSSIBILIDADE DE EXIBIÇÃO CULTURAL: O ASPECTO COSMOPOLITA
Devido ao desenvolvimento da economia cafeeira (meados do século XIX) o setor de comércios e serviços cresceu de forma intensa. Uma burguesia nascia ao mesmo tempo em que imigrantes vinham para trabalhar no ramo do café. Nesse estágio, a cidade já começava a expressar elementos cosmopolitas, no que se refere à diversidade de pessoas, costumes e modos de vida (influência de vários países e povos). Tal movimento de desenvolvimento e, consequentemente, a consolidação de características cosmopolitas tornam-se cada vez mais evidenciadas com o processo de industrialização. Já em meados da década de 50 do século XX, São Paulo encontrava-se estabelecida como centro financeiro do país. Bancos e prédios instalados na Avenida Paulista denunciavam essa situação e compunham o cenário habitado por 4 milhões de pessoas na época. Pra finalizar este parágrafo, vale lembrar a semana de 22 (Semana de Arte Moderna), ocorrida entre 11 e 18 de fevereiro, que marcou o modernismo estético no Brasil através de exposições literárias, musicais e das artes plásticas. O modernismo definitivamente foi um movimento de vanguarda na medida em que rompia com a estética passada, trazendo novos códigos de representação para a arte.
Desse modo, o processo de abrigo cultural e de vanguarda só cresceu, tendo em vista a recepção mercadológica de demanda e oferta proporcionada pelos elementos presentes no conceito de uma cidade cosmopolita. São Paulo, hoje, encontra-se mergulhada em possibilidades de entretenimentos diversificados: gastronomia, museus, salas de exibição de filmes alternativos, faculdades, eventos…
Enfim, neste tópico demonstrou-se de forma breve o desenvolvimento da cidade de São Paulo e sua possibilidade estrutural como receptáculo cultural.
O MERCADO COMO MOTIVADOR DA EXIBIÇÃO CULTURAL: O SURGIMENTO DE UM MERCADO DE ENTRETENIMENTO PARA JOVENS
Com o advento da cultura pós-guerra de entretenimento para jovens, que teve início marcado nos EUA em razão da expansão econômica e sua maior flexibilidade de produção de mercadorias, passou-se a produzir bens de consumos culturais em maior escala, diversificação e em maior qualidade técnica. O que isso quer dizer? Que a produção de mercadorias não estava apenas pautada pelas satisfações das necessidades mais imediatas para a manutenção da economia e subsistência da população. Eis o terreno fértil para a solidificação da indústria cultural, mas isso é um assunto para outro momento.
Isto posto, como já dito, um mercado consumidor reservado para os jovens é especialmente criado, mas não só isso: a própria noção de juventude se consolida como um espaço na sociedade marcado por um estágio de transição entre a infância e a vida adulta, isto é, o existir jovem é dado por uma atitude menos pragmática e responsável em relação aos problemas cotidianos adultos, e isso tem diretamente a ver, também, com a condição de pleno emprego vivida na época. Sobre isso, a palavra de uma especialista:
“Ser jovem virou slogan, virou clichê publicitário, virou imperativo categórico – condição para se pertencer a uma certa elite atualizada e vitoriosa. Ao mesmo tempo, a “juventude” se revela um poderosíssimo exército de consumidores, livres dos freios morais e religiosos que regulavam a relação do corpo com os prazeres e desligados de qualquer discurso tradicional que pudesse fornecer critérios quanto ao valor e à consistência, digamos, existencial de uma enxurrada de mercadorias tornadas, da noite para o dia, essenciais para nossa felicidade” (KHEL, 2004, p.92).
Então, há maior acessibilidade às universidades e, portanto, a postergação da inserção no mercado de trabalho, mas é claro que essa possibilidade só é possível, inicialmente, entre as classes mais privilegiadas, ou seja, vivenciar esse tempo de “espera”, esse mercado, e fazer parte dessa cultura apenas é realizável dentro de certas condições econômicas do sujeito.
Fenômenos explicativos dessa “onda”: rock e seus modismos, cinema e movimentos estudantis de contestação política.
Por fim, é importante dizer que essa cultura de juventude, no Brasil, chegou mais tardiamente, uma década depois do que o exposto acima, na década de 70/80. No Brasil, ainda mais elitizado por conta da defasagem de elementos culturais importados, além do controle imposto pela ditadura militar no que tange à produção e disseminação dessa cultura.
A AMPLIAÇÃO DA NOÇÃO DE JUVENTUDE
Com o passar dos anos, a noção de juventude é ampliada no sentido da vivência jovem. Estudos sociológicos apontam que particularidades da cultura jovem foi expandida na composição da formação de identidades, não necessariamente de jovens. Tais particularidades psicológicas podem ser apontadas como: vivência do imediato e exaltação da efemeridade. Já entre particularidades materiais e derivadas das psicológicas frisa-se o culto ao corpo jovem, a moda e o consumo de nichos culturais anteriormente exclusivamente para jovens. Essa dinâmica não só acontece pela possibilidade de consumo direto de produtos que acessam a categoria de juventude, como apontado por Baudrillard, mas também ocorre pelo crescimento desses jovens que acabam consumindo pelo resto da vida o que começaram a consumir na juventude. Respectivamente, pode-se citar como exemplo o adulto que começa a consumir rock nos anos 60 e o adulto que cresceu jogando videogame.
CULTURA POP E MARCOS HISTÓRICOS DA CULTURA POP
Antes de esboçar o significado de cultura pop e seus marcos, vale notar que seu aparecimento só foi possível graças aos eventos apontados acima: aparecimento da noção de juventude e possibilidade mercadológica de vendas de produtos inicialmente voltado para um público de uma determinada faixa etária.
Nesse sentido, e com o intuito de amarrar os fatos expostos sobre o aparecimento da cultura jovem com o nascimento da “cultura pop”, vamos à definição:
Em linhas gerais, e no que diz respeito à forma, cultura pop pode ser definida como uma representação artística largamente difundida nas mídias e com a intenção de autopromoção, isto é, de pretender alcançar um público cada vez maior. Não deve ser confundida com cultura de massa ou cultura popular, pois a primeira é um estágio considerado anterior e com menos complexidade identitária, já a segunda é algo derivado mais naturalmente da cultura de um povo ou de um nicho específico da sociedade.
Em termos de conteúdo, a cultura pop tem origem na Pop Art dos anos 60, como explica o professor do Programa de Pós-Graduação em Arte e História da Cultura do Mackenzie, Martin Cézar Feijó. Ele cita o pintor e cineasta Andy Warhol e sua forma de reprodução artística de rostos de ícones famosos. Tal escola artística não a toa coincide com o boom do consumo de produtos oriundos da televisão, cinema e música. Ainda, segundo o professor, a denominada “cultura pop” quase sempre tenta dialogar com a cultura erudita em todas as suas formas representativas (pintura, artes plásticas, literatura…). Em outras palavras, é um tipo de produção nova e feita para o largo consumo, mas cheia de referências culturais de outras épocas. Por essa perspectiva, inúmeros estudiosos afirmam que os produtos da cultura pop são dependentes do cenário estabelecido pela indústria cultural, mas não se limitam a ela, uma vez que há um teor crítico e subversivo da ordem estabelecida nas suas produções.
O conceito de cultura pop surge não para substituir o de indústria cultural, mas complementá-lo. Ele é aplicado onde justamente as teorias da escola de Frankfurt falham: nos produtos da indústria cultural que não conformam, mas provocam, não acomodam, mas incentivam uma leitura crítica da realidade. A cultura pop surgiria ou de uma vontade de se contrapor à indústria cultural num movimento “de dentro”, ou daquelas peças que ganham uma nova dimensão em decorrência de sua carga arquetípica. Assim, a cultura pop teria as seguintes características: A) ser inovadora com relação aos seus congêneres, tanto em termos de forma, quanto de conteúdo; B) apresentar uma leitura crítica de mundo; C) ter um conteúdo arquetípico; D) ser provocadora. Tais características fazem com que, embora passe pelos mesmos mecanismos de reprodutibilidade técnica, a cultura pop se diferencie da média do que chamamos de indústria cultura (DANTON, 2002).
Exemplos desse aspecto crítico: Alan Moore, Tarantino, Rolling Stones, Star Wars, entre outros.
Pop art V de Vingança – exemplo de produto da cultura pop com os aspectos citados
Star Wars e a cultura pop: convergência midiática para além do entretenimento imediato
Em 1975, estreava no cinema Tubarão (Spielberg) e, dado seu enorme arrecadamento de bilheteria (40 vezes maior que o orçamento) motivado pela propaganda, Hollywood reconfigura seu modo de produção e exibição, cunhando de vez o termo blockbuster (arrasa quarteirão) e, portanto, a forma de fazer cinema de entretenimento. O lançamento do filme no verão norte americano também consolidou a tradição até hoje usada em lançamentos de filmes, com provável retorno alto durante as férias escolares, isto é, é um marco no que diz respeito a várias frentes de produção do cinema hollywoodiano, desde a propaganda até o que se espera arrecadar. Tanto foi assim que, hoje, é esperado de um blockbuster um retorno de investimento em torno de 10 a 100 vezes o valor investido.
O conceito de blockbuster solidificou-se como um dispositivo poderoso de difusão cultural, colocando o cinema como principal ferramenta. Dentre seus elementos, está o alcance de uma grande faixa etária, bem como a transposição da barreira de classes.
Com a reconfiguração do cinema de entretenimento, o caminho estava aberto para a produção de blockbusters: eis que, em 1977, estreia Star Wars, inicialmente, apenas sob esse título. Mas qual foi o pulo do gato no que se refere à estreia do filme e a cultura pop? Bem, citam-se três características: A) Modelo de franquia (história contada em mais de uma parte); B) licenciamento de produtos relacionados à obra; e, consequentemente; C) convergência midiática (interação com outras mídias – livros, HQs, action figures, games…). Dado isso, despontou um cenário inédito de culto à obra para além do mero entretenimento imediato, redefinindo, assim, não só o marketing cinematográfico, mas a cultura pop em si e todos os seus aspectos, basicamente, produção e relação do espectador com a obra (e tudo que é inerente a isso).
NERDS E GEEKS: UMA IDENTIDADE EM ASCENSÃO
O termo “NERD” não tem origem precisa, há algumas explicações sobre sua origem, que são mais aceitas do que outras. O fato mais aceito é que o aparecimento do termo teria se dado na década de 50.
Em uma primeira versão, corresponde à abreviação de “Northern Electric Research and Development” – atual “NORTEL” (Nortel Networks) – grupo de empresas com sede no Canadá voltado para o desenvolvimento tecnológico de redes de telecomunicações. Os pesquisadores do grupo passavam noites resolvendo problemas da área. Em outra versão, refere-se a um livro infantil (If I ran the Zoo), onde o termo nerd é usado para designar um animal estranho. Há também quem defenda que o termo surgiu no MIT (Massachusetts Institute of Technology) (MATOS, 2011).
Sobre a aplicação prática, o termo nerd, inicialmente, caracterizava um indivíduo com inteligência superior à média, estudioso, amante da tecnologia e com um nível de dificuldade no tato social. Nesse contexto, o termo tem acepção pejorativa em oposição aos indivíduos com versatilidade no convívio social.
Mas, entre explicações sobre a origem e arquétipos anteriormente consolidados, hoje, e aqui, ficaremos apenas com um conceito amplo: alguém que se debruça sobre um determinado assunto/tema de maneira obsessiva (sentido não patológico) a ponto de esmiuçar o assunto de maneira mais completa possível, tendo tendência ao gosto por tecnologia, ficção científica, games e HQs e não sendo necessariamente antissocial (GALVÃO, 2009). O diferencial do nerd, para o autor, reside no aspecto “domínio tecnológico”. Com o advento da sociedade da informação, os nerds passaram a ser consultados e não só isso: passaram do estigma ao sucesso.
Além da própria tecnologia, que cada vez mais muda nossas vidas – quase ninguém usava celular há 10 anos – animes e videogames estão entrando na rotina de quem antes desconhecia essas formas de entretenimento. Basta ver a popularidade do Nintendo Wii entre aqueles que não se interessavam por videogames. Com isso, o nerd consegue encontrar um “chão comum” mais facilmente com outras pessoas, pelo menos para iniciar uma conversa. (ROHR, 2009).
Há quem diga que o termo “geek” dá conta mais desse nerd sociável.
Fato é que: nerds ou geeks não sofrem mais com o estigma social, e vão além: estão na moda, e resguardam na apreciação e interação com a cultura pop um aspecto juvenil que pode ser levado para o resto da vida. Isto é, é uma “nova” forma de exercer a juventude (entendida aqui como um espírito e não como uma faixa etária).
Concluindo, esses cinco pontos são apontados como fatores determinantes para o aparecimento e o sucesso de comic cons pelo mundo.
REFERÊNCIAS
BUENO, Renato. Preconceito é coisa do passado, dizem nerds assumidas. In: G1 (online), 25 de maio de 2009. Disponível em: < http://g1.globo.com/Noticias/Tecnologia/0,,MUL1166257-6174,00-
PRECONCEITO+E+COISA+DO+PASSADO+DIZEM+NERDS+ASSUMIDAS.html>. Último acesso: 07/01/2018.
DANTON, Gian. Cultura Pop. In: Digestivo Cultural (online), 13 de setembro de 2002. Disponível em: < http://www.digestivocultural.com/colunistas/coluna.asp?codigo=724&titulo=Cultura_pop>. Último acesso: 07/01/2018.
GALVÃO, Danielle. Os nerds ganham poder e invadem a TV. In: Revista Científica Intr@ciência, 1(1):34-41, 2009. Disponível em: < http://uniesp.provisorio.ws/fagu/revista/downloads/edicao12009/Artigo_3_Profa_Danielle.pdf>. Último acesso: 07/01/2018.
KEHL, Maria Rita. (2004), “A juventude como sintoma da cultura”. In: NOVAES, Regina & VANNUCHI, Paulo (orgs.). Juventude e sociedade: trabalho, educação, cultura e participação. São Paulo, Perseu Abramo.
MATOS, Patrícia. O nerd virou cool: identidade, consumo midiático e capital simbólico em uma cultura juvenil em ascensão. XVI Congresso de Ciências da Comunicação na Região Sudeste – São Paulo – SP – 12 a 14 de maio de 2011. Disponível em: < http://www.intercom.org.br/papers/regionais/sudeste2011/resumos/R24-1149-1.pdf >. Último acesso: 07/01/2018.
ROHR, Altieres. ‘Incompreendidos’, nerds se divertem à sua maneira. São Paulo: G1. 25/05/09. Disponível em: http://g1.globo.com/Noticias/Tecnologia/0,,MUL1165732-6174,00INCOMPREENDIDOS+NERDS+SE+DIVERTEM+A+SUA+MANEIRA.html