Há uma epidemia mundial de insanidade. Cenas de uma violência enlouquecida, cometida por pessoas normais e sem razão aparente, alastram-se pelos noticiários e pelas redes sociais. Desconhecidos cometem homicídios sangrentos, agem como canibais e se suicidam. Mães assassinam filhos. Amigos matam amigos. Teorias são criadas. Formam-se grupos, de acordo com as crenças, sobre o que está acontecendo. Muitos negam a existência do problema e o atribuem à uma histeria coletiva, decorrente de uma imaginária ligação entre histórias desconexas de violência. O mundo que conhecemos começa a se desintegrar.
Esse é o cenário caótico que Josh Malerman cria em seu livro de estreia. Com uma prosa seca, curta e direta, narrada em terceira pessoa, acompanhamos Malorie, a personagem principal, na qual quase todas as cenas do livro são centradas. Ela descobre uma gravidez inesperada quando as notícias sobre os incidentes ainda eram incipientes e confusas. Mora com a irmã, Shannon, que a mantém informada sobre todas as notícias e teorias que correm pela Internet.
Em determinado momento, essas teorias convergem para um ponto: seja o que for que provoca a loucura sanguinária, age por meio da visão. Assim, se você mantiver os olhos fechados, estará a salvo. Há ecos d’A alegoria da caverna, de Platão. A ignorância é a sua proteção.
Existe uma teoria bem disseminada segundo a qual, seja lá qual for “O Problema”, ele sem dúvida começa quando uma pessoa vê alguma coisa.
Essa é a grande ideia do livro. Ele trabalha com o nosso medo do escuro. Um terror instintivo, eco da nossa mente primordial. Algo que nos acompanha desde as reuniões ao redor da fogueira, quando caçávamos piolhos dos outros membros do nosso bando. Os personagens não sabem o que os ronda. Não sabem a sua cor, o seu tamanho ou a sua aparência. Apenas sabem que esse algo (maligno?) está lá e que vai enlouquecê-los, se não resistirem a dar uma simples olhadela.
“O Problema” toma conta do país e Malorie, ainda grávida, depois de adversidades que omitirei para evitar spoilers, acaba por encontrar abrigo em uma casa com cinco pessoas. Quatro homens e uma mulher desconhecidos entre si, afastados das suas famílias e que passam a conviver em um ambiente totalmente claustrofóbico, onde apenas um olhar para a rua pode significar a morte de todos.
Os capítulos avançam e retornam na cronologia sem que a narrativa fique confusa. Josh Malerman, que também é vocalista da banda de rock The High Strung, não perde tempo com explicações que não interessam à trama. O texto não tem gorduras. A leitura flui rápida e prazerosa. A descrição crua das cenas concede mais impacto aos relatos.
A porta lateral está trancada. Ao encontrar uma única janela, Jules a quebra. Diz a Tom que está protegida. Papelão. É pequena, mas um deles deve conseguir entrar. Jules diz que entrará.
Em uma sociedade desintegrada, outras pessoas buscam refúgio na casa, o que acaba por tornar instável o delicado equilíbrio de convivência e conduz a história para o seu final.
É aqui o maior pecado do livro. Josh confunde a dinâmica que desejou (e conseguiu) dar ao texto com a dinâmica da história em si. O curso da narrativa acaba por ser abreviado, o que impede um desenlace satisfatório das questões que propôs no correr do livro e de personagens que foram importantes para a trama, deixando uma sensação de incompletude no leitor. O destino da personagem principal… não falarei, obviamente, mas não está à altura do restante do livro.
Consideradas as suas qualidades e defeitos, Caixa de Pássaros é um livro que indico para quem gosta de leituras ágeis, de suspense, terror e luta pela sobrevivência em mundos apocalípticos.
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