Awesome Mix | Bruce Springsteen & The E-Street Band (Década de 80)

 

Mês passado comecei essa jornada épica e meio biruta pra escolher as cinco melhores músicas de Bruce Springsteen por década. Já escolhemos as dos anos 70 (clique aqui pra ler), agora vamos pros anos 80, mais uma década muitíssimo criativa e produtiva para o Boss, foi aqui que ele realmente virou um artista imensamente popular no mundo todo.

 

Bruce Springsteen

 

The River

Álbum: The River

Ano de lançamento: 1980

 

Bruce começou a década bem demais, The River provavelmente forma com Born to Run e Darkness on the Edge of Town a trinca de melhores discos dele, e olha, não dá pra se chegar muito mais perto da perfeição que isso. O disco duplo é uma belíssima pancada, cheio de letras destruidoras de almas e com uma sonoridade que vai do folk rasgado ao rock de estádio. Escolhi duas músicas desse disco e a primeira é a que da nome ao álbum. The River possui uma história curiosíssima, vou colocar um trecho da biografia Bruce, escrita por Peter Ames Carlin, onde ele explica bem isso:

” The River (…) era uma descrição palavra por palavra da vida da irmã de Bruce, Ginny, desde sua gravidez acidental, aos dezoito anos de idade e casamento precoce com Mickey Shave. Escrita em primeira pessoa, a letra de The River é permeada de compaixão e uma quantidade nem um pouco pequena de fúria. (…) Para Ginny, que não sabia que o irmão havia composto uma música sobre ela, ouvi-la ao vivo no Madison Square Garden foi enervante, para dizer o mínimo. “Era uma composição maravilhosa, cada pedacinho dela era verdade”, ela afirma. “E aqui estou eu [na plateia], completamente exposta. Não gostei dela no princípio – apesar de ser minha música favorita agora.”

 

Eu consigo imaginar a surpresa de se descobrir cantada numa canção que expõe todas as suas mazelas no meio do Madison Square Garden lotado com milhares de pessoas. Mas falemos da canção em si. The River é profundamente melancólica e muitíssimo bonita, quase sempre me pego chorando quando a escuto. A letra traz um eu-lírico contando toda a sua vida, desde que era adolescente, conheceu Mary (que sabemos na verdade ser Ginny), a engravidou, casou-se e viveu uma vida patética e miserável de trabalhador comum chão de fábrica americano. Tão interessante quanto a própria história contada é o panorama terrível que ele traça dos Estados Unidos verdadeiro.

 

“I come from down in the valley

where mister when you’re young

They bring you up to do like your daddy done”    

 

“Eu venho lá de baixo do vale

Onde, senhor, quando você é novo

Eles te dizem pra fazer igual seu papai faz”  

 

Percebam como ele traça um panorama de imobilidade social, as pessoas de lá daquele lugar, serão sempre como seus pais, fazendo as coisas que seus pais fazem, vivendo como seus pais vivem, trabalhando onde seus pais trabalham.

 

 

“I got a job working construction for the Johnstown Company

But lately there ain’t been much work on account of the economy

Now all them things that seemed so important

Well mister they vanished right into the air

Now I just act like I don’t remember

Mary acts like she don’t care

But I remember us riding in my brother’s car

Her body tan and wet down at the reservoir”

 

“Eu consegui um trabalho na construção para a Johnstown Company

Mas ultimamente não tem tido muito trabalho por conta da economia

Agora todas essas coisas que pareciam tão importantes,

bem Senhor, elas se desfizeram no ar

Agora eu ajo como se não me lembrasse,

Mary age como se não se importasse.

Mas eu me lembro de nós andando no carro do meu irmão

Seu corpo bronzeado e molhado embaixo da represa.”

 

 

Percebam como a falta de dinheiro e as dificuldades praticamente destruíram a vida a dois e o amor, mas como ele ainda se lembra deles jovens e da paixão que existia ali. A letra conclui de maneira desoladora:

 

 

“At night on them banks I’d lie awake

And pull her close just to feel each breath she’d take

Now those memories come back to haunt me

They haunt me like a curse

Is a dream a lie if it don’t come true

Or is it something worse”

 

“A noite, nos bancos, eu me deitava acordado

E a puxava pra perto apenas pra sentir sua respiração

Agora essas memórias voltam pra me assombrar

Elas me assombram como uma maldição

É um sonho, uma mentira se ele não se torna verdade,

ou é algo pior”

 

É impossível sair impune quando se escuta essa música.

 

 

 

 

Drive All Night

Álbum: The River

Ano de Lançamento: 1980

 

A outra música que escolhi deste álbum é uma balada profunda, longa, desesperançosa e devastadora. Sim, outra dessas. Acredito que Springsteen escreve esse tipo de canção (muito) melhor do que qualquer outro ser humano. O que Drive All Night tem de diferente de The River, além do ritmo mais lento, é a letra com um fortíssimo subtexto sexual. Aqui vemos um eu-lírico se dirigindo a um amor perdido, revelando saudades, desespero e paixão.

 

 

“When I lost you honey sometimes I think I lost my guts too

And I wish God would send me a word send me something I’m afraid to lose

Lying in the heat of the night like prisoners all our lives

I get shivers down my spine and all I wanna do is hold you tight

I swear I’ll drive all night just to buy you some shoes

And to taste your tender charms

And I just wanna sleep tonight again in your arms”

 

“Quando eu perdi você, querida, às vezes eu penso que perdi minha coragem também

E eu queria que Deus me enviasse uma palavra, me enviasse algo que eu tenho medo de perder

Deitados no calor da noite como prisioneiros toda a nossa vida

Eu tenho arrepios na minha espinha e tudo que quero fazer é te segurar apertado

Eu juro que eu dirigirei a noite toda, só pra te comprar sapatos

E experimentar seus encantos delicados

E eu só quero dormir hoje a noite, novamente, em seus braços”

 

Percebam o quão desesperado ele está e o quanto ela lhe faz falta. O cenário criado é uma terra devastada, um local com uma impressão suja e povoada por seres estranhos e apenas a amada lhe dá algum respiro, apenas a vontade de voltar a tê-la lhe move.

 

“Tonight there’s fallen angels and they’re waiting for us down in the street

Tonight there’s calling strangers, hear them crying in defeat.

Let them go”

 

“Hoje à noite há anjos caídos e eles estão esperando por nós na rua

Esta noite está chamando estranhos, ouço-os chorando em derrota.

Deixa eles irem”

 

 

 

 

Atlantic City

Álbum: Nebraska

Ano de lançamento: 1982

 

Em 1982 Bruce havia gravado sozinho, apenas com violão e poucos instrumentos várias músicas em fitas demos. Eram novas músicas que ele queria gravar com a E-Street Band para um novo disco. Eles foram para o estúdio e tentaram algumas vezes, mas não sentiram que as gravações estavam ficando boas e – eventualmente – Springsteen percebeu que as fitas demo eram realmente melhores que as gravações com a banda e resolveu lançar o disco assim. Surgiu aí um dos grandes álbuns dos anos 80, o intimista Nebraska, uma experiência a la Bob Dylan e Johnny Cash, com um colorido (ou falta dele) folk, mas ainda com temas pesados e sombrios. Aqui a instrumentação primitiva na verdade acentua o clima tétrico do álbum.

Atlantic City é a melhor música deste disco e conta a história de um jovem casal que foge para Atlantic City, cidade do estado de Nova Jersey famosa por seus cassinos e por seu crime organizado; na verdade quase que uma Las Vegas mais empobrecida.

 

“Well, they blew up the chickenman in Philly last night,

now they blew up his house too”

 

“Bem, eles explodiram o chikenman em Filadélfia ontem a noite,

agora eles explodiram a casa dele também”

 

O começo da letra deixa claro que eles estão saindo da Filadélfia por conta do assassinato de Philip Testa, o chickenman da letra, provavelmente o eu-lírico estava envolvido com o crime por lá e por isso fugiu, algo que se acentua quando percebemos que ele também pretende se envolver com o crime em Atlantic City.

 

“Now I been lookin’ for a job but it’s hard to find

Down here it’s just winners and losers

and don’t get caught on the wrong side of that line

Well I’m tired of comin’ out on the losin’ end

So honey last night I met this guy

and I’m gonna do a little favor for him

Well I guess everything dies baby that’s a fact

But maybe everything that dies someday comes back

Put your makeup on fix your hair up pretty

and meet me tonight in Atlantic City”

 

“Agora eu tenho procurado por um emprego,mas é difícil de encontrar

Aqui embaixo existem apenas vencedores e perdedores

e não ser pego do lado errado desta linha

Bem, eu estou cansado de estar do lado errado

Então, querida, ontem a noite eu encontrei esse cara

e eu irei fazer um pequeno favor pra ele

Bem, eu imagino que tudo morra, baby, e isso é fato

mas, talvez, tudo que morre, volte um dia

coloque sua maquiagem, dê um trato no cabelo

e me encontre amanhã a noite em Atlantic City”

 

A música é um pequeno conto de criminalidade e vidas perdidas, percebam como ele considera a possibilidade de morrer neste “trabalho” como algo comum e como a possível glória e conforto que o crime pode trazer mais do que compensam o risco.

 

 

 

 

Born in the USA

Álbum: Born in the USA

Ano de lançamento: 1984

 

Em 1984 o Boss lançou seu disco de maior sucesso comercial, Born in the USA vendeu mais de 30 milhões de cópias no mundo todo até hoje e é um senhor álbum. Com uma sonoridade bem mais oitentista que seus antecessores da mesma década, aqui temos um rock de estádio por excelência, com músicas sobre todos os tipos de assunto, desde a vida de trabalhador como, até a nostalgia da infância e – na música título, que escolhi para esta lista – uma crítica ferina e poderosa aos EUA como país e o tratamento recebido pelos veteranos da guerra do Vietnam.

Esta música é até hoje muito mal interpretada, com muita gente achando que é uma música patriótica, o que só pode prover de um analfabetismo funcional grave, vejamos as duas primeiras estrofes pra entendermos o absurdo:

“Born down in a dead man’s town

The first kick I took was when I hit the ground

You end up like a dog that’s been beat too much

Till you spend half your life just covering up

Born in the U.S.A,

I was born in the U.S.A

I was born in the U.S.A,

born in the U.S.A”

 

“Nascido em uma cidade de um homem morto

O primeiro chute que recebi foi quando caí no chão

Você acaba como um cão que foi surrado demais

Até passar metade da vida apenas se escondendo

Nascido nos E.U.A,

eu nasci nos E.U.A

Eu nasci nos E.U.A,

nascido nos E.U.A”

 

PS: a tradução desta música eu tirei do (ótimo) site Whiplash e é de autoria de Fernando P. Silva e Marcio Ribeiro, confiram as traduções de todas as canções do álbum aqui.

 

Parece algo elogioso aos EUA? Não né. Aqui temos um homem que nasceu numa cidadezinha porcaria mequetrefe sem oportunidades (algo muito semelhante a outras canções de Bruce, como Thunder Road e Racing in the Streets) e que passou a vida apanhando por todos os lados, sem possibilidades de crescer. Aí ele encontrou no exército uma possibilidade rara de ascensão social e acabou parando no Vietnam, onde se viu lutando uma guerra que não entendia e provavelmente, se entendesse, não concordaria. Quando voltou pra casa foi tratado como lixo e se viu marginalizado pela sociedade que descontou nele (e em milhares de outros veteranos) a culpa que era do governo. Basicamente a história de todo veterano da guerra do Vietnam (você deve ter assistido Rambo e Nascido em 4 de Julho, não?), uma guerra que foi execrada (justamente) pela opinião pública.

 

“Come back home to the refinery

Hiring man said “Son if it was up to me”

Went down to see my V.A. man

He said “Son, don’t you understand?”

 

“Volto para casa, para a refinaria

O empregador disse: “Filho se dependesse de mim”

Fui ver meu velho no V.A (Administração de Veteranos. Organização norte-americana que presta auxílio aos militares veteranos.)

Ele disse “Filho, você não compreende?”  

 

 

 

 

 

 

Brilliant Diguise

Álbum: Tunnel of Love

Ano de lançamento: 1987

 

Pra fechar esta lista uma das melhores músicas da carreira de Bruce, lançada no ótimo, porém irregular, Tunnel of Love, álbum lançado em 1987 quase sem a participação da E-Street Band (e aqui começaria um hiato dele com a banda que duraria até The Rising, em 2002).

Brilliant Disguise (Disfarce Brilhante) foi uma música que Bruce escreveu quando estava no processo de divórcio de sua esposa, a atriz Julianne Phillips, e começando um relacionamento com a guitarrista da E-Street Band (e sua atual esposa) Patti Scialfa. A música é um desabafo paranoico e dúbio, com o eu-lírico apontando culpas e mostrando um relacionamento completamente desgastado.

 

 

“I hold you in my arms

As the band plays

What are those words whispered baby

Just as you turn away

I saw you last night

Out on the edge of town

I want to read your mind

To know just what I’ve got in this new thing I’ve found

So tell me what I see

When I look in your eyes

Is that you baby

Or just a brilliant disguise”

 

“Eu segurei você em meus braços

enquanto a banda tocava

o que são estas palavras sussurradas, baby,

logo depois que você se virou

Eu te vi ontem a noite

na periferia da cidade

eu quero ler sua mente

pra saber o que é essa nova coisa que eu descobri

Então me diga o que eu vejo

quando olho nos seus olhos

é você, baby,

ou somente um disfarce brilhante?”  

 

Ele começa a música acusando a esposa de estar estranha e de não entender o que se passa com ela, o que culmina no belo refrão “So tell me what I see/When I look in your eyes/Is that you baby/Or just a brilliant disguise“. Mais pra frente ele diz que está tentando fazendo tudo certo enquanto o relacionamento desmorona (Now look at me baby/Struggling to do everything right/And then it all falls apart), eventualmente ele começa a questionar as próprias motivações ao dizer que não confia nele mesmo (I want to know if it’s you I don’t trust/’Cause I damn sure don’t trust myself) e no final ele mesmo reconhece que o fingimento, as falhas, são dos dois:

 

“Now you play the loving woman

I’ll play the faithful man

But just don’t look too close

Into the palm of my hand

We stood at the alter

The gypsy swore our future was right

But come the wee wee hours

Well maybe baby the gypsy lied

So when you look at me

You better look hard and look twice

Is that me baby

Or just a brilliant disguise”

 

“Agora você interpreta a mulher amável

e eu interpretarei o homem fiel

Mas não olhe tão de perto

na palma da minha mão

nós ficamos no altar

A Cigana jurou que nosso futuro estava certo

Mas vem as pequeninas horas

e, bem, talvez a cigana tenha mentido

Então olhe pra mim

É melhor você olhar duro e olhar duas vezes

Sou eu, baby,

ou é só um disfarce brilhante?”

 

Acredito que Brilliant Disguise é uma das canções que melhor ilustra os fingimentos que fazemos quando nos relacionamos e como esses fingimentos, aos poucos, transformam a relação toda em uma mentira. Bruce, como sempre, foi direto na jugular.

 

 

 

Bonus round

 

Performances ao vivo brilhantes das músicas da lista!

 

The River (com uma bela história no começo).

 

Essa versão é ainda mais lenta de Drive All Night, acho que é a mais bonita que já ouvi.

 

Aqui temos uma versão bem recente de Atlantic City, é legal ver essa música tocada com a E-Street Band.

 

Aqui Born in the USA tocada em 1988 na Live Human Rights, uma das melhores apresentações ao vivo dela.

 

Aqui uma interessante versão ao vivo de Brilliant Disguise acompanhado da sua atual mulher, Patti Scialfa.

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Nerd: Arthur Malaspina

Arthur Malaspina é professor de português, nerd irrecuperável e humorista ocasional. Também não consegue se manter longe de discussões, seja na vida real, seja na internet. Tem opinião formada sobre praticamente tudo no mundo... mas não se preocupem, fica mais legal com o tempo. Co-proprietário do blog Han Atirou Primeiro (hanatirouprimeiro.blogspot.com.br). Twitter: @arthurskywalker

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