Com uma dose de céu, uma de naufrágio, uma de canto, uma de sobrevivente, e muitas doses de coragem, poesia e cura. É assim que Amanda Lovelace encerra sua série “As mulheres têm uma espécie de magia”, composta pelas coletâneas de poesia “A princesa salva a si mesma neste livro”, “A bruxa não vai para a fogueira neste livro” e “A voz da sereia volta neste livro”, que trago a vocês na resenha de hoje.
eu não escrevo
as coisas que escrevo
para te machucar.
– eu escrevo o que escrevo para me curar.
Como nos trabalhos anteriores de Lovelace, ela nos pega pela mão com suas palavras e nos leva para o mundo dela, nos mostrando suas lembranças, suas experiências, as lições que aprendeu e quer nos ensinar, com seus versos ora curtos, ora longos, mas sempre impactantes – talvez não nos reconhecemos em todos, mas já conhecemos mulheres com histórias que cabem naqueles versos, e é isso que nos faz continuar, palavra após palavra, página após página, descoberta após descoberta, dor após dor…
Devoramos os sentimentos de Lovelace, e de todas as mulheres incríveis que ela convidou para fazerem parte deste livro. A voz, na verdade, são de várias sereias: Lang Leav, Nikita Gil, Noor Shirazie, Mckaya Robbin e tantas outras. Quase no final do livro, Amanda dividiu seu espaço com as palavras de colaboradoras que emprestaram suas vozes e seus momentos. Colaboradoras fortes, momentos frágeis, palavras que incomodam e trazem paz.
pegue as minhas palavras,
mas
amplie o sentido delas.
discuta com elas
transforme-as
vire cada uma delas do avesso.
– faça com que elas se tornem suas.
Apesar de admirar muito os outros livros de Lovelace, em “A voz da sereia volta neste livro”, acabei reencontrando minha própria voz. Como eu disse, é um livro cheio de coragem, que trata de assuntos muito delicados, cheio de gatilhos que podem revirar memórias terríveis, mas de uma forma reconfortante. Amanda compartilha, envolve, invade, perturba, escuta, acolhe e nos mostra que tudo vai ficar bem. Foi a primeira vez, em muitos anos, que aceitei minha condição de vítima/sobrevivente, pois me senti rodeada de compreensão, amor, bravura e união. Amanda e suas colaboradoras nos encantam com seus contos e canções, e nos inspiram a cantar junto com elas.
enfiei
minha história
nas
dobras
do silêncio
para
poder
deixar
as outras
pessoas
tranquilas.
– nunca mais.
Em um mundo onde fomos ensinadas a sentir vergonha e medo, em um mundo que nos obriga a ficar caladas, em um mundo que tira nossa voz e nossa magia, palavras como as que transbordam deste livro são muito importantes. É extremamente difícil falar das coisas que nos transformam de forma negativa, que nos fazem entrar em casulos sem termos coragem de sair de lá para virar borboletas. E talvez por isso Amanda tenha escolhido não fazer isso sozinha, e sim com suas colaboradoras, e, o que me deixou mais emocionada ainda durante toda a leitura: Lovelace vai além, quebra uma barreira entre a obra e a leitora e a convida para participar de tudo aquilo. Ela nos pega pela mão, sim, e faz mais do que isso: abraça-nos, ampara-nos, e nos convida a mostrar nossas vozes também. Acreditam que, no final do livro, há até um espaço reservado para escrevermos nosso próprio poema?
“se há algo que eu espero que você guarde deste livro é o fato de que existem muitas maneiras de uma vítima/sobrevivente vir a público para contar as próprias experiências de violência sexual. o método escolhido por mim não precisa ser o seu, assim como o método escolhido por você não precisa ser o meu. trata-se de perceber o que melhor funciona para a vítima/sobrevivente como pessoa. este livro simplesmente foi o caminho que julguei ser o melhor para mim. no final, todos os caminhos são válidos &, com alguma sorte, levam à felicidade & à cura.”
Recomendo toda a série de Amanda Lovelace para todas as mulheres e, para aquelas que se encontram temerosas e trêmulas em seus próprios casulos e em suas próprias dores, gostaria muito que dessem uma chance à “A voz da sereia volta neste livro”. Sim, a voz volta. A força volta. O controle sobre nossas vidas volta. A cura é possível, a felicidade é possível. Transforme o medo em cura. Transforme a culpa (que não é sua) em cura. E, se não quer fazer isso sozinha, chame outras mulheres para te ajudar nesta jornada.
E Amanda Lovelace é uma delas, pode acreditar.