Sem fôlego! É assim que escrevo as palavras contidas neste artigo, e talvez não haja estado mais apropriado para definir o que a leitura de tamanha obra proporciona. Pelo menos não sem estragar o misto de sentimentos contido em algumas centenas de páginas, e que deve ser experimentado individualmente por aqueles que escolherem mergulhar em suas profundezas.
Com os noticiários tomados por casos de violência contra a mulher, principalmente de assassinatos e estupros – segundo dados divulgados pela Folha de São Paulo em setembro – obtidos pelo Sinan (Sistema de Informação de Agravos de Notificação) – em 2018, foram registrados mais de 34. 352 casos de violência sexual contra mulheres -, Mindy McGinnis em seu segundo livro, cria uma trama fictícia chocante para tratar a temática, e fomentar um debate mais que necessário e realista, sobre a “cultura do estupro”.
Alex Craft é uma jovem ainda no ensino médio, e há três anos perdeu a irmã mais velha, Anna. Em uma noite comum, depois de deixar sua casa pela porta dos fundos, na tentativa de se livrar das discussões com a mãe, Anna foi levada e só encontrada dias depois, em pedaços espalhados pela floresta da pequena cidade em que morava. O homem que a levou ficou com ela por um tempo, as autoridades dizem que antes de assassinada, a garota foi estuprada, e objetos foram colocados dentro dela.
Como todo crime desta natureza, o assassinato de Anna deixou marcas. Todos os moradores da cidadezinha interiorana do estado de Ohio foram afetados, mas Alex foi solidamente moldada pelo acontecimento. A maneira como a irmã foi levada embora mudou tudo em que acreditava, toda sua vida até aquele momento foi esquecida, em essencial a forma com que aprendeu a enxergar os homens. “Passo a vida esperando pelo homem que vai vir para cima de mim como aquele que foi para cima da Anna, com olhos famintos atrás do volante e uma corda no porta-malas” (Mindy McGinnis, 2017)
A protagonista é uma personagem forte, tomada pela raiva e a dor da perda, ela está disposta a ter sua vingança pela irmã, e isto significa ir atrás não apenas do responsável pelo crime, mas qualquer predador sexual que entre em seu caminho, e não se importa de usar do mais alto nível de violência para isso.
Em uma sociedade machista, que naturaliza a violência contra mulher e faz piadas quanto à isso, Alex é a personificação das consequências que este comportamento, e cultura, acarretam. Ela faz pensar como as coisas seriam se todas, ou parcela das mulheres, para protegerem a si, resolvessem agir contra seus agressores.
Em uma nova perspectiva, com a ressignificação do papel da mulher quanto à própria violência, desenvolve-se um questionamento acerca da eficácia de semelhante comportamento. Seria uma abordagem mais violenta por parte da população feminina a solução para este problema, ou a sociedade se tornou tão letal para ela que só querem fazer justiça com as próprias mãos?
Mindy McGinnis cria em A (R)evolução das mulheres uma verdadeira manifestação. Com elementos simples, a autora discute a temática de modo inclusivo, permitindo a compreensão pelos mais diversificados públicos, e traz para jovens meninas uma mensagem que há tempos precisa ser recebida:
Mulheres estão sendo assassinadas e abusadas em detrimento da cultura de uma sociedade misógina, que ensina seus meninos à tomarem aquilo que querem e banalizar o gênero feminino, definindo-o através de estereótipos que tiram sua humanidade, deixam livres agressores e responsabilizam as vítima.
Discute o papel desses estereótipos no cotidiano de adolescentes que ainda estão descobrindo o ambiente à sua volta, e como a ausência de um debate sobre o assunto torna meninas suscetíveis à esses abusos.
Alex é uma jovem que teve a infância interrompida, não está preocupada em fazer amigos, viver a experiência do último ano de escola, ter um namorado e ir para a faculdade. Ela quer vingança por sua irmã, e se apega a dor que tem sentido para que não se desvie de seu objetivo. De modo que quando tudo aquilo que não queria invade sua vida, ela entra em um novo conflito.
Com uma linguagem objetiva, empregada em curtos capítulos narrados por três diferentes personagens, cada um criado com a finalidade de uma maior imersão do leitor, e pluralidade de pontos de vista, a trama reflete de modo chocante uma das doenças mais graves da atualidade. E culmina em um dos livros jovens adultos mais necessários dos últimos anos para toda uma sociedade.
A (R)EVOLUÇÃO DAS MULHERES
AUTOR Mindy McGinnis
TRADUÇÃO Lavínia Fávero
EDITORA Plataforma 21
ANO 2017
PREÇO aproximadamente 30 reais.