A Cor Púrpura – 35 anos depois

Uma das grandes discussões hoje em dia é sobre a falta de representatividade no mundo do entretenimento, seja no cinema ou na TV. Embora existam filmes como Mulher Maravilha, Pantera Negra ou séries como The Handmaid’s Tale, ainda é pouco para um mundo com tantas culturas diferentes, mas o fato de existir a discussão, de o mercado e comportamento das pessoas estarem mudando, ainda podemos acreditar que o velho padrão do homem branco hétero e salvador não é mais a única forma de cultura aceitável.

Mas se nos anos 2020 isso já está difícil, imagina nos anos 1980, onde a palavra representatividade mal existia.

E foi justamente neste cenário que surgiu A Cor Púrpura.

O filme é baseado no livro homônimo da Alice Walker (vencedor de vários prêmios, incluindo o Pulitzer) e se começa no ano de 1909 no sul dos EUA. É importante falar sobre a data e o local, pois era uma época pós-abolição da escravidão, mas o sul do país ainda era resistente às mudanças, tanto que foi palco, anos depois, da vergonhosa segregação racial.

Na história temos a vida de Celie (Whoopi Goldberg, no melhor papel da sua carreira), que sofreu abuso sexual de seu pai, tendo 2 filhos com ele e o mesmo pai a casou (de forma forçada) com o Albert Johnson (Danny Glover), que a trata com desdém, com um comportamento análogo à escravidão. Seu único lampejo de alegria é na convivência com a sua irmã, Nettie, mas não demora muito para que elas sejam separadas pelo Albert (em uma cena impactante).

O filme acompanha 40 anos da vida da nossa protagonista e neste meio tempo ela e o público conhecem duas personagens que vão mudar drasticamente suas vidas: Sofia, vivida pela Oprah Winfrey e Shug, papel da Margaret Avery – ambas indicadas ao Oscar de Atriz Coadjuvante.

As duas são mulheres muito à frente do seu tempo: Sofia não aceita desaforo de homem e Shug tem uma carreira consolidada e é justamente isso que faz com que Celie enxergue o mundo sob outro ponto de vista.

Quem dirige o filme é o grande midas Steven Spielberg e este é considerado seu primeiro filme “sério”.

Na ocasião, ele mesmo estava preocupado com a abordagem que ele poderia dar em um filme com um elenco majoritariamente negro e com a adaptação de um livro de sucesso, mas o resultado foi mais do que satisfatório.

Se a história foi cruel com o homem negro, imagina para uma mulher negra e ainda do interior. Spielberg mostra a história do ponto de vista da Celie e se a primeira metade do que vemos em tela é de uma vida sofrida, cheia de lutas e, infelizmente de derrota, sobretudo porque temos a figura autoritária de seu algoz, a segunda metade transmite essa mensagem de esperança e mudança, sobretudo com a inserção das coadjuvantes.

Além da denúncia contra o racismo e feminicídio, o livro ainda sugere um possível romance entre Celie e Shug. O filme as mostra como amigas e como uma admirando a outra e com uma atração mais sugestiva do que demonstrativa.

Muitos acusam Spielberg de covarde até hoje. O próprio Spielberg disse uma vez que poderia ter ido mais longe, mas se hoje em dia o mundo é resistente a muita coisa, imagina isso nos anos 80 e vindo de um diretor popular. Provavelmente o mundo não estaria preparado para ver duas mulheres negras se amando.

Mas quem foi realmente covarde com A Cor Púrpura foi a Academia: o filme teve nada menos do que 11 indicações ao Oscar e saiu de mãos vazias. Até hoje este é considerado um dos maiores perdedores do Oscar. Racismo da Academia? Eles não estavam preparados para premiar um filme com a temática racial? Ou será que haviam filmes melhores?

Se considerarmos que o grande vencedor da noite foi o insosso Entre Dois Amores, o argumento desta última pergunta vai por água abaixo.

A Cor Púrpura é um filme tão relevante hoje quanto na ocasião do seu lançamento. Vale também conhecer o livro e as duas mídias se conversam. É pesado, revoltante, mas doce e melancólico ao mesmo tempo.

E já que muitos o consideram como um filme “covarde”, seria pedir muito para uma nova versão agora que estamos mais “evoluídos”?

Nerd: Raphael Brito

Não importa se o filme, série, game, livro e hq são clássicos ou lançamentos, o que importa é apreciá-los. Todas as formas de cultura são válidas e um eterno apaixonado pela cultura pop.

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