Estreia na próxima quinta-feira, dia 21 de novembro, a primeira parte de Wicked, a aguardada adaptação do famoso musical da Broadway. E que saudade que eu estava de um bom musical! Desde já esclareço que não conheço a peça e tampouco o livro que o inspirou. Portanto, meu total deleite foi apenas fruto das 2h40min de pura magia do longa. E, caso ainda não tenha ficado claro, Wicked tem meu selo de aprovação. Mas, o que faz dele um filme que merece, pelo menos, dez centavos da sua atenção?
Primeiro vamos contextualizar a história
Wicked é uma releitura do universo do Mágico de Oz que se concentra nas vidas de Elphaba e Glinda, as bruxas já conhecidas da produção de 1939, mas antes de serem eternizadas como a Bruxa Má do Oeste e a Bruxa Boa do Norte. A trama antecede a chegada de Dorothy em Oz e explora como essas duas mulheres, que se tornam amigas improváveis, acabaram em lados opostos. Elphaba, nascida com a pele verde, é marginalizada por sua aparência e dons mágicos. Já Glinda é uma garota popular e vaidosa, que está focada em ser aceita e conquistar poder.
Elphaba é rejeitada desde o seu nascimento por conta de sua cor, mas é dotada de incríveis poderes mágicos. Ao acompanhar a irmã até a escola de Shiz, ela recebe a oportunidade de aprender a controlar seus poderes e acaba dividindo o quarto com Glinda, que, a princípio, faz de tudo para infernizá-la. Aos poucos, Elphaba conquista respeito, até mesmo de Glinda, com quem inicia uma amizade improvável.
Apesar da amizade entre Elphaba e Glinda ser o coração de Wicked, a trama tem muito mais corpo. Quando Elphaba descobre que os animais falantes estão sendo oprimidos, ou quando a corrupção do sistema que rege aquele mundo se mostra evidente, um desejo de lutar contra as injustiças desperta. E, apesar das consequências, ela decide desafiar a normalização e propagação do preconceito e da inferiorização daqueles que são diferentes.
Sem maniqueísmos, Wicked esbanja ótimas performances
Apesar de reconhecer a importância indiscutível de O Mágico de Oz, confesso que nunca fui exatamente uma fã do universo. Mas Wicked chama atenção por fugir da armadilha maniqueísta do clássico. Aqui é mostrado que há muitas nuances entre o preto e o branco. Os conflitos emocionais e as desconstruções do status quo são trabalhadas desde a primeira cena, em que Glinda anuncia, com alegria, a morte da Bruxa Má do Oeste. O povo de Oz comemora alegremente em uma canção animada. Mas o curioso é que, apesar da cena visualmente bela e alegre, ela desperta uma faísca de incômodo no espectador. Uma reflexão sobre a indubitável crença na natureza puramente má da Bruxa. Algo que se estende ao resto do filme.
Mas esse despertar inicial só é possível por conta da ótima atuação de Ariana Grande, que vive a superficial e mimada Glinda. Com um excelente timing para a comédia, algo para o qual ela já demonstrava talento em Victorious, é impossível não rir quando ela está em tela. Além da parte cômica, Ariana consegue transmitir todas as nuances que sua personagem exige. A garota perfeita, popular e vaidosa, que nunca havia sido contestada.
Wicked também traz Cynthia Erivo (Harriet – O Caminho para a Liberdade) em uma performance poderosa como a bruxa Elphaba. Ela transparece perfeitamente a ideia de alguém que convive com o preconceito diariamente. E aqui enfatizo o quão importante foi a escalação de uma atriz negra para dar voz a uma história de repressão. A representatividade aqui não era uma mera opção. Seria um erro, mesmo que também tivesse um ótimo resultado. Mas, particularmente, não consigo ver mais ninguém no papel depois de testemunhar o talento de Cynthia.
No elenco ainda estão Jonathan Bailey (Bridgerton), que interpreta muito bem o Príncipe Fiyero. Michelle Yeoh (Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo), com uma interpretação contida, mas presente, da Madame Morrible. Jeff Goldblum (KAOS), que alega interpretar o Mágico de Oz, mas é só ele mesmo. Marissa Bode, que faz a irmã de Elphaba, Nessarose.
Aceitar o diferente é parte da evolução
Glinda, que à época de sua chegada em Shiz se chamava Galinda, é o retrato perfeito de como as aparências podem ser enganadoras. De como a imagem pode ser usada para perpetuar o preconceito. Ela é o estereótipo da pessoa que protesta pela paz mundial pintando uma unha de branco. Aquela que está conformada com os padrões e acredita que é preciso estar dentro deles para ser feliz.
Já Elphaba é o exato oposto, tendo que conviver com a rejeição desde a infância. Hostilizada pelo pai e nutrindo o sentimento de culpa pelas dificuldades da irmã, ela reconhece o lugar de pária no qual foi colocada injustamente. Mesmo assim, ela não busca aceitação a qualquer custo. Ela não se molda para se encaixar nos padrões. Mas, ao mesmo tempo que carrega consigo essa resignação, ela anseia por conexão e reconhecimento. Ser aceita pelo que é e não pelo que os outros queriam que ela fosse. Mas algo que não pode ser contestado é o amor da bruxa pela irmã.
Tanto Elphaba quanto Glinda são personagens cinzas. Capazes de atitudes contrárias ao que transparecem. Esse recorte expõe a facilidade com que as circunstâncias são determinantes para como a sociedade nos reconhece. Em como a consciência de classe ou raça é importante quando o assunto é defender seus direitos e crenças. E que, mesmo que haja tantas diferenças entre as pessoas, é possível que exista respeito entre elas.
Wicked aborda o capacitismo de forma didática
Nessarose, irmã de Elphaba, nasceu com uma deficiência física e não consegue andar. E é aqui que o longa se engrandece ao demonstrar de forma quase desenhada, o que é o capacitismo. Ele vai desde o favoritismo e cuidado extremo do pai, à ideia de que ela é incapaz de se locomover sem a ajuda de alguém. Ou quando a cadeira de rodas é a característica que a define. Ela é uma representação direta a essa forma de preconceito.
Mas o capacitismo não é a única forma de preconceito abordada em Wicked. Toda rejeição e rotulação sofrida por Elphaba é uma alegoria para o racismo. Por causa de sua aparência, ela é constantemente segregada e desumanizada. Sendo chamada de “má” apenas por ser verde. Além de ter que responder, repetidamente, perguntas preconceituosas. Ainda nesse espectro, também há a tentativa de calar e enjaular os animais, apenas por serem diferentes.
O Mágico, Glinda e Madame Morrible representam a propagação das ideias de exclusão e preconceito. Todos, de maneiras distintas, representam a sociedade que perpetua o preconceito. Seja pelo total desprezo pelas diferenças, pela tentativa incessante de manter o padrão, pelo interesse de se aproveitar do diferente para ganho próprio ou pelo uso da manipulação para manter as normas sociais. Independente da sutileza do preconceito, Wicked mostra como ele é o álibi perfeito para tolher os direitos dos que não se encaixam.
Cinematografia de cair o queixo
A direção de Wicked ficou a cargo de Jon M. Chu (Podres de Rico), que não deixou a desejar, embora seu currículo não seja dos melhores. Não é inventivo, mas é eficiente. Ela acerta ao manter o tom leve, mesmo que os temas abordados sejam sérios. Wicked também se destaca em seu design de produção. De encher os olhos, o longa coleciona cenas magníficas em cenários físicos e figurinos de tirar o fôlego. E a escolha da produção em construir grande parte dos cenários fez total diferença para tornar aquele universo crível.
A fotografia também é um show à parte. Com todo um cuidado de colorimetria para realçar as características das personagens principais. O resultado foi um tom de verde verossímil como cor de pele para Elphaba e um brilho rosado que realçava a aura de futilidade de Glinda. Isso sem contar os enquadramentos dignos de wallpapers.
As músicas icônicas do musical da Broadway estão perfeitamente bem apresentadas aqui, com performances absurdas de Ariana Grande e Cynthia Erivo. A produção optou por gravar as atrizes cantando seus números ao vivo, o que foi mais um acerto da direção. Isso resultou em cenas mais naturais e expressivas.
É mais do que parece…
Wicked é lindo e certamente vai te emocionar. No entanto, é mais do que apenas um musical bonito. Também não é só uma crítica a todas as formas de preconceito. É sobre o quanto esses mesmos preconceitos podem tecer alicerces para qualquer tipo de atrocidade. É sobre manipulação, e como desafiar as injustiças rapidamente te vilaniza. Achar que Wicked é somente uma obra que questiona se alguém já nasce má, é permanecer na superfície, quando o verdadeiro tesouro está esperando no fundo.
Wicked estreia dia 21 de novembro, somente nos cinemas.
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