Coringa: Delírio a Dois, sequência do filme de 2019, chega aos cinemas nesta quinta-feira, dia 3 de outubro. Com Joaquin Phoenix retornando no papel principal e a adição de Lady Gaga para interpretar sua versão da icônica personagem Arlequina, o longa faz parte daquele grupo de obras que ninguém pediu e nem precisavam. É realmente frustrante quando idealizamos algo que, em nosso imaginário, parece ser uma ideia perfeita e que faz total sentido, mas quando é levado para a prática, a realidade é outra. E é exatamente esse o caso de Coringa: Delírio a Dois.
Coringa que não aceita… o Coringa
Coringa: Delírio a Dois se passa logo após os eventos do filme de 2019, quando um movimento revolucionário tomou conta de Gotham City, com o Coringa como símbolo máximo dessa rebelião contra a elite. Agora preso no hospital psiquiátrico de Arkham, Arthur Fleck conhece Harley “Lee” Quinzel, uma paciente de outra ala do hospital. O que começa como uma curiosidade mútua rapidamente evolui para uma paixão obsessiva e perigosa, culminando em um relacionamento tão intenso quanto distorcido. Enquanto isso, a advogada de Fleck luta para que ele seja considerado inimputável pela corte em um julgamento público que já é considerado o maior do século.
Quando o primeiro filme foi lançado, ele foi envolto em polêmica. O chamaram de perigoso. Afirmaram que seu conteúdo era um “prato cheio para incel” (incel=termo em inglês para celibatário involuntário). Mas, principalmente, que incitava a violência. Coringa: Delírio a Dois parece um pedido de desculpas para essa parcela do público. Não me entenda mal. É incrível quando vemos na tela uma jornada do herói disruptiva. Mas, primeiro, ela precisa ser coerente. Precisa fazer sentido.
Coringa: Delírio a Dois também se esforça para “corrigir” uma crítica comum entre os fãs dos quadrinhos: a de que aquele não é o Coringa que estavam acostumados a ler. Uma correção de curso desnecessária, que culminou em mais um elemento que acabou costurado à colcha composta de uma lista de arrependimentos.
Desperdício de talentos
Harley Quinzel, que se apresenta em certo momento como Lee, é uma personagem sem “vida”. Seu propósito de existência, é apenas servir para o desenvolvimento alheio, no caso, do Coringa; para despertar uma discussão rasa no espectador e, claro, para cantar. Para além disso, nada. Um exemplo de como desperdiçar um talento. Lady Gaga (Nasce uma Estrela) vem se provando uma ótima atriz, de fato. No entanto, gostaria de vê-la mais em trabalhos que não se apoiem, majoritariamente, em seu talento musical.
A personagem, na verdade, é um mistério até mesmo para o roteiro. A começar que jamais temos conhecimento total de onde ela veio e para onde quer ir. Hora dá a entender que só quer ganhar fama, outra que está apaixonada. Porém, nenhuma das duas opções é plenamente aprofundadas. Tornando a personagem superficial na melhor das hipóteses, e um motivo de irritação, na pior. Principalmente porque sua aparição em cena significa que o espectador terá que aguentar mais uma sessão de cantoria injustificada.
A Arlequina, que não chega nem perto de usar essa alcunha, é uma crítica social mal escrita a todos que glamourizam os ditos assassinos em série. Porém, a personagem não evolui e a mensagem acaba dissolvida em uma série de inconsistências embaladas em músicas enfadonhas e intermináveis. Além disso, ainda tem o fato de que Gaga e Phoenix não possuem nenhuma química em tela. O que resulta em algumas cenas realmente constrangedoras.
Joaquin Phoenix (Sinais) continua ótimo no papel, com direito à muitas inclinações para trás e baforadas de cigarro para o alto. O que não é uma surpresa. Afinal, seu Oscar pelo primeiro filme foi bem-merecido. Contudo, ainda paira a dúvida sobre o motivo que o fez aceitar voltar para uma sequência, visto que não é comum do ator fazer isso. Principalmente se levarmos em consideração que seu papel aqui foi o de desfazer tudo o que foi construído no antecessor, da forma mais incoerente possível.
Coringa: Delírio a Dois tem pouca substância para justificar tanto esforço visual
Todd Phillips fez uma transição surpreendentemente bem-sucedida entre o humor (Se Beber Não Case) e o drama sombrio. O mesmo não pode ser dito de sua aventura pelo gênero musical. Quando diz respeito às cenas não cantadas, conseguimos ter o vislumbre da excelente ambientação e da construção de uma atmosfera desconfortante e opressora já vista no primeiro filme. Mas quando passamos para as cenas musicais, a coisa desanda. Falta timing e o senso de quando uma música só está quebrando o ritmo do filme.
Coringa: Delírio a Dois é tecnicamente belíssimo, com uma fotografia incrível. E Phillips transpõe competentemente para a tela essa visão de mundo falho e desesperança. Para além, consegue extrair atuações excelentes de seu elenco. Até mesmo do mais coadjuvante dos personagens. E mesmo com uma abordagem medíocre, a discussão a respeito da romantização de serial killers é pertinente. Sobretudo diante da repercussão de obras como Dahmer, da Netflix. Mas a sensação que fica é a de que o longa é um produto fraco com uma embalagem chique. Um invólucro de ouro para guardar um abridor de cartas.
Musical fora de ritmo
Assinado por Todd Phillips e Scott Silver, o roteiro de Coringa: Delírio a Dois está mais preocupado em reparar as possíveis ofensas causadas pelo primeiro filme, do que respeitar as convenções estabelecidas nele. Sendo assim, o debate em relação às doenças mentais e à empatia com o diferente é substituído pelo discurso de que a insanidade é contagiosa e da persona inerentemente má. Sim, o “folie à deux” é uma condição real da psiquiatria. Mas, para que algo desse tipo aconteça, é preciso mais que algumas horas de cantoria partilhada, ou meia dúzia de palavras trocadas.
O próprio dilema em torno existência ou não da doença mental de Arthur Fleck não faz sentido. A narrativa decide eliminar ou minimizar as alucinações e o sentimento de revolta que Fleck sente para dar ênfase na autoimagem inflada e na insensibilidade. O intuito é torná-lo apenas um narcisista, com nenhum impedimento para pagar pelos crimes que cometeu. Sem a muleta da inimputabilidade para permitir que ele se exima da culpa. Mas, ao menos o musical funciona, certo?
Quando a possibilidade de que Coringa: Delírio a Dois fosse ser um musical foi divulgada, tive um misto de preocupação e expectativa. Muito porque, apesar de gostar bastante de musicais, sei como é fácil para um se tornar maçante. Então, é com pesar que digo que infelizmente a realidade não correspondeu à expectativa. As cenas cantadas possuem uma estrutura tão inconsistente que se tornam confusas quanto ao seu propósito. Em certos momentos a produção enfatiza o delírio da cena com algum artifício técnico, como uma iluminação e paleta de cor diferentes. Em outros, utiliza os mesmos recursos para uma cantoria real.
Coringa: Delírio a Dois é desnecessário
Coringa: Delírio a Dois tem um roteiro que acha que tem muito a dizer, mas na verdade apenas vomita discussões importantes sem o menor cuidado de parecer, no mínimo, coeso. Dificilmente agradará quem gostou do primeiro filme. Também não agradará quem não gosta de musicais. E é improvável que quem não gostou do anterior se digne a assistir esse. No fim, a impressão é a de que foram mais de 2 horas dedicadas a algo que, além de desnecessário, é ruim.
Coringa: Delírio a Dois estreia dia 3 de outubro, somente nos cinemas.
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