Chega aos cinemas brasileiros, no próximo dia 4 de julho, o tão aguardado Entrevista com o Demônio, de Cameron Cairnes e Colin Cairnes. O filme, que já debutou há um bom tempo lá fora, vem colecionando elogios. Em sua maioria, bem merecidos. Como uma fã de carteirinha do estilo found footage, confesso que estava bem curiosa para saber se todas as máximas levantadas sobre o longa eram condizentes.
Então fico feliz em dizer que Entrevista com o Demônio é um filme que te cativa, e te prende, até os créditos finais. É sutil, e justamente por isso desperta a curiosidade do espectador para o que quer que esteja sendo mostrado na tela. Algo bem difícil hoje em dia, e mais facilmente alcançado sem as amarras de um grande estúdio ou franquia. Com Entrevista com o Demônio, é perceptível o quanto se pode fazer com pouco. Mas tão quanto?
Entrevista com o Demônio é envolvente e desconfortante
A trama de Entrevista com o Demônio gira em torno de Jack Delroy, um apresentador de talk show que decide fazer um episódio especial de Halloween sobre fenômenos paranormais. O que começa como um programa típico e sem grande apelo, logo se transforma em um pesadelo ao vivo, com eventos sobrenaturais que vão crescendo em intensidade e perigo. Rápido e mortal, o longa inicia as quase 1 hora e meia com um minidocumentário sobre a trajetória de Jack, o que nos dá um contexto e ajuda a formular algumas teorias.
Entrevista com o Demônio tem aquela mescla de gêneros perigosa, mas que é bem-sucedida, quando bem aplicada: terror com uma pitada de humor. E faz isso de uma forma muito competente, sem cansar o público com excesso de piadas. E, embora não se utilize de sequer um jump scare, o longa é eficiente em construir um desconforto crescente. Mais hipnótico que qualquer outra coisa, ele consegue prender a sua atenção para quaisquer novas camadas que sejam adicionadas à medida que os minutos passam.
Performances que hipnotizam
David Dastmalchian (Duna) está excelente como Jack Delroy, entregando perfeitamente aquele carisma fingido de apresentadores de talk Shows. Demonstrando todo seu desespero diante da última chance de fazer seu programa dar certo, em meio a anos de relativo fracasso. Um tudo ou nada. Com o pânico satânico crescente, convidar alguém que, supostamente, diz conversar com um demônio parece uma oportunidade de ouro. Se não uma em que acredita, definitivamente, uma a qual se agarrar.
Delroy é a personificação do “tudo pela audiência” e do sensacionalismo desmedido. E é um exercício interessante analisar os limites do quanto ele está disposto a fazer para não sentir o gosto do fracasso, sem medir as consequências ou se importar com quem possa ferir no processo. Para além disso, ver como seu ceticismo vai se despedaçando pouco a pouco, conforme a narrativa vai avançando.
Acompanhar acontecimento a acontecimento acaba sendo um fator importante para nos relacionarmos com o que está sendo apresentado em tela. E, se o terror propriamente dito não for capaz de chegar a quem assiste ao filme, certamente é visível no rosto de Delroy. Ele vai da mais absoluta descrença ao desespero e confusão ao longo dos 86 minutos de filme de forma bastante crível.
Ingrid Torelli (The Dry 2: Força da Natureza), que interpreta Lilly, está impecável, entregando toda a estranheza que sua personagem demanda. Com os olhos vidrados na câmera, Lilly parece olhar dentro da alma do espectador, causando certo desconforto. Me peguei, em vários momentos, ávida para desviar o olhar da tela. Não por algo horrível que estava sendo mostrado, mas por conta de um peso invisível que recaía sob aquele olhar. Impressionante, de fato.
Entrevista com o Demônio: nuances e autenticidade
Com uma história tão contida, é inevitável e compreensível que Jack Delroy acabasse tendo um melhor desenvolvimento. Mas é possível sim perceber mais substância nas entrelinhas da história como um todo, mesmo que ela ainda pareça bem simplória. E ressalto, são nuances que podem não ser perceptíveis à primeira vista, nem tão profundas. Mas podem ser notadas se exploramos mais sobre a mitologia apresentada no filme. Seja pelo nome do demônio, pelas máscaras ou pelo simbolismo numérico.
A escolha da época em que a história de Entrevista com o Demônio é contada foi perspicaz. Ambientado nos anos 70, o longa surfa na crescente onda de pânico satânico do período, criando um misto entre a curiosidade pública sobre o paranormal e o medo que isso, inevitavelmente, causava. Porém, não sei se por conta dessa escolha exatamente, mas um dos principais aspectos do filme acabou sendo mal desenvolvido: a estética found footage.
Ainda que o fato de se tratar de um programa de TV justificasse o motivo de se ter as câmeras ligadas por todo o tempo, certas conversas e ângulos captados, não. Dessa forma, a ideia de “gravações encontradas” não se faz verossímil na maior parte do tempo. Principalmente quando, em meio aos intervalos, a câmera não assumia o papel amador que se espera dessa proposta. Então, é bem provável que qualquer um que pense em assistir por esse motivo, se frustre.
Embora a temática found footage não funcione tão bem, certamente a ambientação funciona. Enquanto muitas produções de época parecem apenas ambientada, Entrevista com o Demônio parece, de fato, com uma gravação da época. Desde o estilo de filmagem ao formato 4;3 das TVs analógicas. Tudo cuidadosamente pensado para criar uma atmosfera crível o bastante para imersão. E, embora a história do filme não seja real, muitos elementos foram baseados em pessoas e eventos reais da época.
Entre a tensão gradativa e um terceiro ato apressado
Entrevista com o Demônio tem uma direção competente, apesar de equivocada em se tratando da estética found footage. Cameron e Colin Cairnes emulam bem a atmosfera psicodélica dos anos 70, além de apresentar uma representação convincente da dinâmica de um talk show. Com uma escala de eventos gradativa, o longa toma tempo até que as coisas comecem a realmente sair do controle. Usando esse tempo para construir uma tensão crescente. Escalonada.
Durante os dois primeiros atos, a sutileza funciona bem, mantendo a atenção ao alimentar a curiosidade de quem assiste. Infelizmente, parte dessa construção é jogada fora com a chegada do terceiro ato, onde o roteiro tira seu tempo para explicar todas as ligações e pontas soltas do filme. Deixando pouco, ou quase nada, para o público conjecturar. O que não é necessariamente algo ruim, mas vai de encontro com o desenvolvimento cuidadoso que vinha acontecendo até o momento. E, se antes a estética found footage já sofria em coerência, nas cenas finais foi completamente abandonada.
Entrevista com o Demônio consegue ser excelente, mesmo com falhas
Entrevista com o Demônio cativa e, apesar de algumas falhas de execução, se diferencia dos últimos lançamentos pelo enredo intrigante. Com ótimas performances e uma excelente ambientação, o longa pode não assustar, mas certamente causa desconforto. Com o bônus de ainda ser perversamente divertido. E, mesmo que seu clímax se desconecte do restante do filme, o saldo final ainda é bastante positivo.
Entrevista com o Demônio estreia dia 4 de julho nos cinemas.
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