Em meio a um mar de comédias românticas desinteressantes, existe um oásis chamado Coisas do Amor.
Com direção e roteiro de Anika Decker, Coisas do Amor engana pelo título. Eu pelo menos iniciei o filme esperando uma história romântica melosa. E eu não poderia estar mais errada. O longa estrelado pelo turco Elyas M’Barek e por Lucie Heinze passa longe das armadilhas do clichê romântico.
Em Coisas do Amor, após uma entrevista sensacionalista com a jornalista Bettina Bamberger, Marvin Bosh (Elyas M’Barek) se vê fugindo da mídia e acaba se refugiando em um pequeno teatro feminista independente LGBTQIA+ chamado “3000”, que é dirigido por Frieda (Lucie Heinz) e está à beira da falência. Lá se inicia uma campanha para restaurar a reputação de Marvin, tentar salvar o teatro e, ainda, dar uma chance ao amor verdadeiro.
Um refúgio além dos rótulos
De fato, reduzir coisas do amor a uma comédia romântica e injusto com tudo que o filme apresenta. Principalmente porque ele se trata, antes de qualquer coisa, de uma homenagem ao teatro independente, uma crítica ao jornalismo sensacionalista, uma ode ao feminismo e à representatividade LGBTQIA+. Para só então ele passar a ser uma comédia romântica.
Não sei se a estratégia de mascarar o filme com um título tão discreto e ordinário tenha sido uma boa ideia. Mas, se pensarmos que a grande parcela do público ao qual comédias românticas clichês se destinam, essas muitas vezes com um elevado grau de machismo intrínseco, muitas mulheres para as quais as mensagens desse filme dificilmente chegariam, finalmente serão atingidas por esse manifesto.
Coisas do Amor apresenta uma revolução sutil e necessária
Anika Decker revelou em entrevistas que estava particularmente interessada no tabu do clitóris e da menstruação. E ela deixou bem claro o resultado de seu interesse em diversos momentos, tão absurdos quanto engraçados. O clitóris é realmente um coprotagonista aqui, sendo representado no teatro, em forma de fantasias, sendo mencionado hora sim, hora também, ou apenas existindo como parte de um corpo que pensa em mais coisas do que apenas romances irreais.
Elyas M’Barek entrega uma excelente atuação e seu Marvin é totalmente crível. Ele nos faz refletir sobre privilégios e o quanto vale a pena abrir mão de si para tê-los. Sendo assim, Coisas do Amor também serve ao propósito de mostrar uma crítica ao brilho enganoso do mundo do entretenimento, à mídia sensacionalista e à busca frenética por ilusões fugazes. O olhar atônito do público na trama é, ironicamente, refletido na audiência da própria história, chamando a atenção para a reflexão sobre o preço da fama, a natureza volúvel do sucesso e a essência efêmera do amor autêntico.
Já Lucie Heinz é cativante e apresenta uma Frieda em um momento da vida onde qualquer coisa é mais importante que um relacionamento. Como seu teatro, ao qual se dedica ferozmente, mesmo sabendo do iminente despejo. É uma personagem que demonstra estar bem resolvida consigo mesma. E é através dela que Coisas do Amor se transforma em um veículo de conscientização, lançando luz sobre tabus como a sexualidade feminina e menstruação. Porém ela começa a se questionar a respeito dos seus sentimentos, e se aceitá-los a tornará menos feminista.
Humor e romance como elementos Consequentes
O humor é simples, algumas vezes apelando para o escatológico. E apesar de não me tirar nenhuma gargalhada genuína, é sim engraçado. Mas há tanto para se prestar atenção aqui, que a falta de um sorriso ou dois não chega a ser um incômodo. Vale lembrar que o humor europeu é bem diferente do que estamos habituados.
Quanto ao romance, ele é apenas uma consequência, quase inevitável, de uma série de desdobramentos que levaram até esse ponto. E não a força motriz dos acontecimentos. Em certos momentos deixado de lado até demais. Marvin se apaixona pela garota que o enxerga como uma pessoa real, sem os filtros da glamourização midiática.
Em vários momentos o longa ganha um tom didático, principalmente quando se trata de assuntos LGBTQIA+ e convenções de gênero. Como explicar siglas ou desconstruir um estereótipo criado pela cultura do status quo. Um ponto interessante apresentado é justamente a aceitação da dor do outro, independente de onde ela venha. Isso parte tanto de Frieda quanto de Marvin. É aceitável estar triste, independente se é em um porshe, ou em um teatro falido. O que você faz com isso é o que define quem você é.
Coisas do Amor é uma jornada de reflexão e mudança
No mais, Coisas do Amor desafia expectativas e convencionalismos, com uma narrativa que vai além dos limites da comédia romântica tradicional. Anika Decker presenteia os espectadores com um filme que é muito mais que seu título sugere. Um hino ao teatro independente, um questionamento das práticas sensacionalistas e uma celebração da diversidade. É uma jornada que nos leva além do amor romântico, explorando reflexões sobre identidade, representatividade e as complexidades do mundo contemporâneo.
Coisas do Amor estreou em 17 de agosto, somente nos cinemas
Posts Relacionados:
Fale comigo: Um bem-vindo refresco para o seu gênero
Besouro Azul: Uma Jornada Carismática e Confortavelmente Familiar
Gran Turismo faz bom uso dos clichês do cinema e dos games
Não esquece de seguir o Universo 42 nas redes sociais: