Não. Eu acho.
No meio do ano passado eu estava vendo Matrix. Era um sábado a noite e tudo o que eu queria era o prazer da solidão depois de uma agitada semana social. Provavelmente era a décima ou vigésima vez que eu assistia-o, sempre com a mesmas reações ao terminar: êxtase e desconforto. É um puta filme que envelhece muito bem. Mas na minha visão, a Matrix não surgiria como um claustro forçado para dominar as baterias biológicas humanas. Não é uma iniciativa das máquinas. Até hoje o discurso do Arquiteto deixa todo mundo com várias duvidas, mas fosse em nossa realidade eu pensava o seguinte: nós nos entregaríamos completamente à Matrix, sem muita resistência, sem dor, sem choro e com completa consciência.
A primeira versão da Matrix, pelo visto, encontrou o mesmo problema que Second Life: legal, um mundo virtual. O que raios faço aqui? Nossa, posso criar pênis voadores. O deslumbro murcha mais rápido que uma broxada. Porque Second Life emulou um aspecto fundamental que torna problemático a nossa realidade: não tem objetivo e sentido nenhum. Religioso ou não, você assume objetivos construídos socialmente e culturalmente.
Objetivo e sentido. World of Warcraft, provavelmente o mais jogado mundo virtual da história, tem ambos. E por isso funciona tão bem. E na esteira de muitos outros que promoveram o controle de natalidade, desde o velhinho Tíbia.
Lógico, estou sendo reducionista ao extremo. Existem vários mecanismos que tornam esses ambientes virtuais atraentes também, seja porque mantém certo nível de liberdade de decisão, são engajadores e permitam que você seja o que você não pode na sociedade. Desculpem, mas à merda com o discurso “você pode ser tudo o que quiser“. Seja caçador de dragão ou templário empreendedor bilionário, nada garante que você realmente possa ser tudo. E lixeiro ninguém sonha em ser né?
Mas o meio sempre foi um problema sério. A distância entre eu ser um Elfo Guerreiro de Falkland e o vendedor comercial sem graça é uma tela, um papel, uma ficha. “Calma velho, e RPG? Imaginação conta pacas”. Conta padawan, sei que conta. Exceto com uma boa dose de LSD ou álcool, você não engana seu cérebro.
Como assim? Eu creio tanto no poder da imaginação e sonhos quanto a Honda, mas imaginar um Orc desdentado correndo em minha direção com um machado dificilmente faz meu coração disparar. Quando estou jogando um mundo aberto, como Skyrim, todo um conjunto de emoções vem a tona. Você sente medo, raiva, fervor, felicidade (depois de matar o maldito dragão que atrapalhou sua caça de gigantes). Mas você ainda não enganou seu cérebro. Em diferentes intensidades, você tem a mesma coisa com um filme muito bacana por causa da suspensão de descrença e conexão emocional. Mas a mediação entre meios ainda garante que seu cérebro esteja no controle: “Há, nerd bundão, isso não existe”.
Pois bem, encontraram um meio bem eficiente de enganar seu cérebro e que nos aproxima cada vez mais da “Matrix”. E o Facebook comprou ele.
Chama Oculus Rift.
Não foi dada muita atenção a esta compra como foi dada ao Whatsapp que já apresenta um grande impacto na vida de muita gente (o melhor novo meio para compartilhar pornografia…). Mas o Oculus apresenta um príncipio de revolução. Pra quem não acompanhou direito o que é, segue um vídeo:
Pois é. Só quem é gamer vai entender o quão impressionante esse visor do Robocop pode ser. Já existiram periféricos anteriores que tentaram fazer a mesma coisa, mas falharam (bjs Nintendo). Porque? O que o Óculus Rift faz, por mais simples que pareça e não é, é fazer com que o ambiente virtual observado no visor acompanhe os movimentos da cabeça do usuário a uma taxa de frequência baixa o suficiente para enganar o cérebro! Não é só uma questão de qualidade gráfica, mas de fluidez do movimento da imagem garante que seu cérebro entre em curto e entenda aquilo como real.
Discussões à parte sobre o que o Facebook realmente pretende fazer com o capacete mágico, uma revolução silenciosa pode estar em seu começo.
As descrições de quem já usou o brinquedo são surpreendentes e estão espalhadas pela web, vai lá e coloca no google “Oculus Rift Experience“. Mas para dar uma palhinha, a sensação é de estar mesmo em outro mundo. Ficar na beira de um precipício faz seu coração ir à boca e até dá sensação de vertigem. Nos conhecidos FPSs, ver balas voando por todo lado realmente faze você se sentir no meio de um tiroteio. Quando a já citada indústria pornográfica usar esse google glass bombado então…
Do meu lado gamer vem minha grande mágoa em relação ao projeto: o periférico é perfeito para jogos em primeira pessoa. E os de terceira pessoa? RPGs? Side-scrollers? Ainda é muito cedo para fazer previsões catastróficas, mas não tenho vontade e nem quero ter de jogar Final Fantasy no gênero citado.
De qualquer forma, vá treinando suas mitocôndrias, ou a de seus netos, porque demos um passo importante para a Matrix e de muitos usos que sequer podemos pensar ainda. E de novo retorno ao meu ponto inicial do texto: não me parece que serão os robôs que nos forçarão a ficar nela. A escolha e permanência será nossa. E de quem tiver dinheiro pra pagar.
O Morfeu ontológico do futuro, talvez, não seja um terrorista anarquista que queira lhe libertar. Mais provável que seja um mago de larga barba a lhe passar uma grande quest.
(Quer entender mais dessa bizarrice toda? Olha aqui 🙂