Com temas profundos e comoventes consegue ser engraçado e dramático na medida
Taika Waititi interpreta Adolph Hitler na forma de amigo imaginário de um garoto que idolatra Hitler e sua interpretação nos faz lembrar de ninguém menos que Charles Chaplin em O Grande Ditador. Roman Griffin Davis é Jojo, um garoto de 10 anos que deseja se juntar à Deutsches Jungvolk, a divisão infantil da juventude Hitleristica. Um acampamento militar mas que desenvolve atividades parecidas com a dos escoteiros ensinando-os a utilizar facas, fazer as saudações e praticar algumas façanhas um tanto quanto cruéis como, por exemplo, conseguir matar um animal para provar sua perícia de caça e sua destreza.
Aqui faço um parenteses para salientar o quanto Taika Waititi surpreende em termos de atuação, caracterização e transformação de personagem pois não se enxerga em momento algum a figura de Waititi e sim somente a de seu personagem versão satírica de Hitler. Outra personagem destaque, e que também traz toda a graça da sátira, é Fraulein Rahm interpretada por Rebel Wilson (nome artístico da comediante australiana que ao se mudar para os Estados Unidos fez fama rapidamente em comédias do cinema) e que é uma das treinadoras desse “exército” infanto-juvenil.
O ingresso a esse esquadrão infantil era mandatório a partir de 1939 e tornou-se no longa-metragem o fio condutor para mostrar como a sociedade estava alienada e tinha sofrido uma espécie de lavagem cerebral (algo como as fake news fazem nos dias de hoje no Brasil). Voltando ao garoto, ele sofre uma espécie de plot twist ao se deparar com uma garota vivendo nas paredes de sua casa. Filho de uma mãe dócil e gentil, interpretada por Scarlett Johansson, que esconde esse segredo: Elsa (Thomasin Mckenzie) é uma garota um pouco mais velha que Jojo, tendo a idade de sua falecida irmã e possui um agravante: É judia!
O longa trata de premissas controversas, temas dramáticos com sarcasmo e até por vezes engraçado: uma garota judia escondida em uma casa onde o filho mais novo é um nazista extremista e possui uma mãe que, aparentemente, finge o ser também para poder sobreviver nesse militarismo ditatorial. O longa se perde apenas em alguns momentos no campo das hipérboles e contradições entre o drama, dor, sofrimento e a sátira, o entretenimento e a graça das piadas.
Waititi além de interpretar um dos personagens principais, escreveu (roteirizou) e dirigiu a trama e isso é o que mais chama atenção pois é feito com maestria, apesar de pequenos desgastes e momentos engessados ou até mesmo um pouco de lentidão e tropeços ao longo do desenrolar, mas que não estragam a diversão ou reflexão que é proposta. Por vezes cria um desconforto em quem não sabe se rir da desgraça satirizada ou se entende que não é algo engraçado mas que pode ser tratado dessa maneira, afinal o cinema é uma arte inclusive de protesto.
A trama toda caminha pela narrativa de uma mente infantil que imagina coisas e vive em um redoma que desenrola uma mente fértil e imaginativa, mas que por estar em um ambiente contaminado pela visão nazista parece por vezes ser distópico, porém infelizmente, verdadeiro e que aliás foi baseado em um livro escrito por Christine Leunens denominado Caging Skies, ainda não editado no Brasil.
Jojo fica fascinado ao conhecer Elsa e ver que ela (por ser judia) não é como ele a imaginaria (um monstro fétido, feio e com maus hábitos), pelo contrário é humana como ele, uma boa companhia e não haveria porque não gostar de uma pessoa assim, fazendo com que sua mente comece a entrar em parafuso e não entender o porque Hitler falava sobre extermínio de judeus. É aí é o ponto alto da trama que começa a trazer a parte dramática, sensível e reflexiva.
Através desse momento de Jojo com sua nova amiga judia temos um garoto fanático que se depara com a realidade: um discurso frágil, de ódio e supremacia racial, que prega a hegemonia e a demonização do outro. Outro momento importante e que revela as mesmas reflexões, porém na versão mais adulta e menos imaginativa é de York, melhor amigo de Jojo que também está alistado nesse conglomerado de crianças treinadas para fazer parte de exército nazista, quando este informa que os aliados atuais são os japoneses (fazendo menção a guerra) e dizendo que “convenhamos eles não pareciam assim tão arianos”.
Todos os personagens a certa altura precisarão rever seus conceitos, seja por conhecer um judeu “legal”, seja por perceber que os atuais aliados não são de raça ariana, seja pela chegada da grande guerra e dos mísseis que destroem a cidade. A certa altura ninguém sobra com essa visão de mundo idiotizada, radical, medíocre e imposta, pois começam a perceber que devem pensar por si mesmos e devem também se proteger contra o novo inimigo: o medo da morte e juntar os cacos do pós guerra.