Unicórnio: um drama familiar que vai da doçura à psicose

Baseado na adaptação de dois contos de Hilda Hilst, O Unicórnio, que foi a primeira ficção da autora e Matamoros, o diretor Eduardo Nunes (Sudoeste), deu vida de uma forma única ao roteiro desse filme. Com diálogos simples, porém carregados de sentidos, nos envolve em um drama familiar que vai da doçura à psicose, bem ao estilo de Hilda Hist.

A estreia mundial foi na Première Brasil no Festival do Rio de 2017 e exibido na Mostra Generation do Festival de Berlim deste ano, com direito a uma exibição especial e gratuita na 16ª Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), onde Hilda Hist que foi a grande homenageada.

Sinopse

Maria aguarda ao lado da Mãe o retorno de seu Pai, que aparentemente abandonou a família. Na casa rustica onde moram, longe de qualquer contato com outras pessoas, elas vivem só e isso faz com que a chegada de um cuidador de cabras mude a relação das duas.

 

unicornio_credito_zeca_mirandaUnicórnio é uma fábula onde os animais (nesse caso um unicórnio), apresentam características humanas, e contém uma parte narrativa com uma breve conclusão. Como toda fábula que se preze, não tem o intuito de trazer a quem lê ou assiste o conceito de certo ou errado, deixando que o espectador decida por si.

O filme começa sendo narrado pela protagonista Maria interpretada por Bárbara Luz, em uma brilhante estreia nas telas do cinema nacional. Na cena, o Pai, vivido por Zé Carlos Machado, conversa com a filha e sobre a sua da infância. Essa conversa se dá em um manicômio ou alguma instituição psiquiatra, ao menos é isso que o espectador é levado a pensar, já que não existem elementos que ajudem a esclarecer o cenário. O que temos é uma sala de paredes brancas e já manchadas pelo tempo, sem qualquer mobília, salvo um banco onde Maria se senta com seu Pai.

A cada explicação desses diálogos nós somos transportados para o local onde Maria mora com sua Mãe, que é interpretada por Patrícia Pilar, uma mulher solitária que vê a sua vida mudar quando um homem (Lee Taylor),  vem morar perto delas para cuidar de cabras.

A exceção de Maria, os demais personagens não possuem nomes, mas ao meu ver, deixaram de ser  identificados propositalmente, uma forma generosa de dar o destaque merecido, diga-se de passagem, a Maria. Como se eles fossem a lua que depende do sol para brilhar.

Aliás o filme todo só apresenta sete personagens, sendo dois que aparecem apenas em uma única cena distinta, para acrescentar contexto ao enredo.

A ausência de figurantes me causou certa estranheza, ainda mais em um filme de duas horas e dois minutos de duração. Apenas sete atores, sustentam o longa com uma categoria absurdamente talentosa, mantendo assim o sentimento de solidão que absorvemos ao assistir o filme; é quase como que, se houvessem mais figurantes aquele lugar tão calmo seria maculado, abalando sua quietude. Ah, claro, além dos sete personagens, temos também um rato, formigas, cabras e o tal unicórnio.

O Parque dos Três Picos, em Teresópolis deu vida ao cenário simples, porém, arrebatador onde se passa tudo aquilo que Maria conta ao seu Pai na estranha sala branca.

Maria nos passa, em um primeiro momento um quê de pureza, de inocência ao mesmo tempo em que nos instiga a pensar que nada é o que parece ser. Eu cheguei a pensar, em um dado momento, que haviam duas realidades no mesmo cenário, pois no inicio do filme, os únicos diálogos e interações eram entre Maria e o Pai.

Em um dos diálogos o Pai conta a história de um ratinho, que nos é apresentada em forma de animação, a visão e expectativa do pai, que nos revela toda a desesperança e certeza de finitude que ele sente.

É um filme bem atípico, por apresentar somente dois cenários distintos em dois tempos narrativos: o manicômio e a casa no campo, onde temos quatro ambientes: a casa, o poço, a arvore e onde o Homem se abriga com as cabras.

O final pode até não ser tão surpreendente assim, afinal o mistério da trama é revelado aos poucos, à cada dialogo e cena. Entretanto não desmerece em nada a produção, que vale a pena ser assistida até o fim, para se ter certeza acerca da verdade daquilo Maria relata ao  longo da história.

Destaque para Mauro Pinheiro JR., responsável pela fotografia, que nos presenteia com um verdadeiro espetáculo de belas imagens em cores vivas e que nos estimulam a vivenciar uma experiencia quase ilustrativa, como se estivéssemos dentro de uma história no País das Maravilhas, o que, diga-se de passagem, é um alivio porque nos transmite também uma sensação de liberdade após passarmos um tempo junto com Maria e o Pai naquela sala fechada e sem janela.

Entretanto, o uso do recurso de desfoque pode dificultar pessoas que sofrem de algum tipo de problema de vista (miopia, no meu caso), a acompanhar as mudanças de câmera e enquadramento.

O filme apresenta em seu enredo temas (alguns polêmicos), como assassinatos, automutilação, ciúmes, descoberta de desejos sexuais e loucura, algo bem comum para quem já esteja familiarizado com o universo literário de Hilda Hist e as suas concepções sobre a vida, a morte e até sobre Deus. Nos escritos de Hilda a presença da figura paterna é algo bem latente, e eu vi um pouco dela nas questões que a Maria levantou.

Eu assisti Unicórnio na cabine de imprensa realizada no Espaço Itaú, em Botafogo – RJ, e não poderia finalizar esse texto sem deixar de parabenizar o local pelo devido asseio nos toaletes, o espaço da livraria e pelo excelente café.

Unicórnio estreou nos cinemas no dia 16 de agosto.

Nerd: Jackelline Costa

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