Em um mundo cada vez mais rápido e, ironicamente, onde temos cada vez menos tempo, a primeira pergunta que devemos fazer é: ainda vale à pena ler Drácula?
No correr da sua vida, você leu, ouviu e assistiu centenas de releituras, filmes e séries, entre outras mídias e manifestações artísticas, sobre Drácula. Você acredita que conhece a história. Sabe todos os poderes e fraquezas do Conde, além de outros detalhes. Então, por que retornaria ao livro que o dublinense Abraham Stoker (Bram Stoker), um escritor, matemático e diretor de teatro, escreveu há mais de 120 anos?
Eu respondo.
Primeiro, o fundamental. Porque o livro é bom. Mesmo hoje, permanece interessante e inventivo. Seus quatro primeiros capítulos são excelentes. Neles, há uma escalada gradual e segura do mistério e do suspense, que são uma aula de escrita e prendem qualquer leitor. O livro retrata de forma vívida a rotina da elite inglesa do final do século XIX. Há descrição desde curiosidades do dia a dia, como as formas de comunicação, até questões mais profundas, como as crenças e preconceitos de uma sociedade em mutação. Seus personagens são estereotipados, bons ou maus, vilões ou heróis, bem ao gosto da tradição romântica. Apesar disso, não são superficiais. Bram Stoker lhes dá um histórico, motivações e descreve de forma hábil o contexto que tornam críveis suas ações e que permitem ao leitor se identificar com os protagonistas.
Segundo, porque Drácula é a “origem”. Embora não tenha sido o primeiro livro onde se tratou da figura do vampiro, foi o primeiro que desenvolveu a mitologia e fez sucesso (mesmo que tardio). Boa parte da cultura “pop” e, depois, da cultura “Nerd” vem desse livro. Se você gosta de vampiros que brilham à luz do dia, vampiros sensíveis, vampiros veganos ou, de um modo geral, de mortos-vivos, é interessante saber a “raiz”. Na obra, há uma tensão entre ciência e religião. Os personagens discutem a existência dos fenômenos sobrenaturais, tentando lhes dar algum sentido racional. O retrato de um mundo no qual a análise objetiva passava a se confrontar com as respostas prontas das superstições há muito estabelecidas.
O livro é escrito de forma indireta. Ele se propõe a ser o resultado de diários pessoais, diários de bordo, notícias publicadas em jornais, relatórios e telegramas, ordenados cronologicamente, que contam o desenrolar da trama. É uma forma que concede agilidade à narrativa.
Não espere, é claro, um romance de ação no ritmo do twitter. Você está lendo um romance escrito em 1897.
A figura de Drácula sempre é abordada a partir do ponto de vista de outras pessoas. Não sabemos sua história ou seus reais interesses, embora eles sejam sugeridos pelos demais personagens. Se correspondem à verdade, cabe ao leitor (você) julgar.
Sobre a história, creio que não há necessidade de a descrever. Apenas advirto que você se surpreenderá. Poucos conhecem a narração original. Não vou estragar, portanto, esta surpresa, embora entenda ser difícil dar spoiler sobre um texto, de domínio público, com mais de cem anos.
Por fim, uma curiosidade: este foi o primeiro livro que acompanhei, em grande parte, na sua versão audiobook. Quando estava em meus deslocamentos, ouvia-o. Em casa, lia a versão impressa ou a digital. O resultado foi uma aceleração surpreendente da velocidade da leitura. A experiência com o audiobook foi prazerosa. Há dramatização da narrativa e, até mesmo, trilha sonora para dar o “clima” das passagens.
Recomendo este método, que adotarei para ler outros clássicos.