MOVIMENTOS CINEMATOGRÁFICOS: ARTE E SOCIDEDADE | PARTE II

NOUVELLE VAGUE E CINEMA NOVO

 

AVISO AOS NAVEGANTES: este texto seguirá a mesma estrutura apresentada na primeira parte: contexto histórico; características; indicações de filmes. Se você não viu, clique aqui:

http://novonerd.xpg.uol.com.br/movimentos-cinematograficos-arte-e-sociedade-parte-i/

 

Retomando, não há desvantagem em repetir o conceito de “Movimento Cinematográfico”. Um movimento cinematográfico deve ser entendido como uma reunião de filmes que compartilham uma determinada estética em um período temporal.

Um movimento cinematográfico é formado por dois elementos: 1- Filmes que são produzidos em determinado período ou país e que compartilham características semelhantes de estilo e forma; 2- Cineastas que operam em uma estrutura de produção comum e que compartilham certos conceitos sobre realização cinematográfica (BORDWELL; THOMPSON, 2013, p. 687).

 

 

Cinema Clássico X Cinema Moderno

Entre guerras, pós guerra e guerra fria: eis o berço de um novo estilo de “fazer cinema”. Nos movimentos ligados às artes plásticas (impressionismo, expressionismo e surrealismo), já apareciam elementos que iam ao encontro de certos traços que seriam consolidados pelo cinema clássico (Hollywood Clássica – 1920 – 1960). Posteriormente, seria desenvolvido um norte característico de oposição aos preceitos clássicos e cunhada a denominação “cinema moderno”.

O Neorrealismo Italiano é considerado o fundador do cinema moderno. O novo desse movimento é a perseguição representativa de um sentido de urgência histórica, no qual os diretores filmavam em locação (ruas) para dar sentido realista para suas produções, uso de plano sequência (ausência de cortes), pouco uso de edição, caráter documental… Os filmes buscavam reflexão e representações realistas.

Em síntese, o “Cinema Moderno” abre portas para a saída dos estúdios, operações de câmera que dão um ar de subjetivismo (acompanhar o personagem), tais como o uso de travelling (deslocamento da câmera no espaço), a câmera tremida na mão e zoom. O cinema moderno tentou, em todos os seus movimentos, tratar de temáticas cotidianas, sociais, e existenciais, fazendo forte oposição aos traços do cinema clássico. Lembrando as características do “Cinema Clássico”: finais felizes; narrativa linear com começo meio e fim bem delimitados pela progressão dos acontecimentos; existência de heróis e maniqueísmo acentuado; e o realismo era forjado através de elementos técnicos de estúdio (modelo ilusionista).

 

Os “novos cinemas”

Nesse contexto, surgem vários movimentos, em diversos países, durante o fim da década de 1950 e começo de 1960, com essa tendência específica, no entanto, com suas respectivas variações. São os movimentos: British New Wave (Inglaterra); Nouvelle Vague (França); Nová Vlna (a nouvelle vague tchecoslovaca); Neuer Deutscher Film (Novo Cinema Alemão). Futuramente, também, aparecem diversas manifestações em outros países, tais como o Cinema de Hong Kong.

 

NOUVELLE VAGUE (1959 – 1964)

“NOVA ONDA” – Termo cunhado pela jornalista Françoise Girot, que caracterizava o comportamento da juventude francesa da década de 1950. Em 1958, o termo foi utilizado pela revista Cahiers du Cinéma para referir-se ao próprio movimento cinematográfico que eles estavam gerando.

 

Contexto Histórico

A atmosfera social

Antes de expor personagens icônicos da “Nova Onda”, cabe aqui dizer que este movimento foi essencialmente feito por jovens. Esses jovens franceses cresceram durante a guerra fria, imersos na evolução da publicidade, no conhecimento sobre cinema, na consolidação da televisão e na massificação da arte, ao mesmo tempo em que estavam conscientes dos incômodos do pós-guerra. Junto a tudo isso, a grande influência filosófica que incidia sobre os jovens era Sartre; existencialismo e suas as grandes questões (quem somos? O que fazemos? Para onde vamos?); o sentimento de vazio e solidão, de impotência; e o caráter inexplicável (irracional) de muitos fenômenos humanos.

Perante essa conjuntura social, o comportamento era inconsequente, a atitude libertária, o ímpeto era de viver a vida intensamente e com paixão. Características comportamentais que deram o tom dos filmes do movimento. Eis o frescor juvenil presente na Nouvelle Vague.   Duas “Instituições” É indispensável e primordial citar duas “instituições” específicas e determinantes para o nascimento da “Nouvelle Vague: CINEMATECA FRANCESA (Cinémathèque Française) e a revista CAHIERS DU CINÉMA

A cinemateca francesa foi fundada em 1936, por Henri Langlois e Georges Franju, com o intuito de exibir filmes antigos que, por eles, foram restaurados. O clube de cinema durou décadas e contava com um grande acervo não só de filmes, mas, também, de figurinos, cenários e cartazes de filmes. Durante essas décadas, conquistou um público fiel e começou a fazer exibições públicas de filmes na Ulm, atraindo jovens como Jean-Luc Godard, François Truffaut, o professor de francês e literatura Jean-Marie Maurice Schérer (Éric Rohmer), entre outros.

A CAHIERS DU CINÉMA, fundada em 1951 por André Bazin Jacques Doniol-Valcroze e Joseph-Marie Lo Duca, reunia escritores que discorriam sobre cinema. BAZIN ficou famoso por ser editor chefe da revista e por uma coletânea de textos chamada “Qu’est-ce que le cinéma?” (O que é o cinema?).

EM MEADOS DA DÉCADA DE 1950, o público da cinemateca (destaque aqui para Godard e Truffaut) juntou-se à revista e começou a criticar de forma mais contundente o cinema francês da época. Há uma frase de Truffaut que resume bem a crítica feita aos cineastas da época: “O filme de amanhã não será dirigido por servidores públicos da câmera, mas por artistas para quem a rodar um filme constitui uma aventura maravilhosa e emocionante” –(Francois Truffaut). A ideia era alavancar a produção autoral, a chamada POLÍTICA DOS AUTORES. Eles queriam produzir seus próprios filmes indo contra às regras vigentes e obsoletas do cinema nacional francês em vigor. Argumentava-se que o cinema nacional estava pouco expressivo, descartável, pouco autêntico e em descompasso com a atmosfera cultural.

O cinema agora seria visto como uma ARTE, tal como a pintura e a literatura. Além disso, A CÂMERA ERA O INSTRUMENTO DO DIRETOR, ganhando uma importância inédita de destaque, pois o filme (obra) é uma expressão dos sentimentos do seu respectivo diretor.

Características

* Narrativas (como contar e o que contar – cinematografia + roteiro) existencialistas;

* Filmes em locação (fora do estúdio);

* Sem ensaios e com improvisos para captar a latência existencialista/realista;

* Plano geral (sem cortes);

* Luz natural;

* Câmeras dinâmicas e leves;

* Uso frequente de jump cuts (corte na edição, remove-se tomadas para gerar dois planos com transição brusca);

* Diálogos filosóficos;

* Atenção ao contexto social e político;

* Não obrigatoriedade de linearidade;

* Figurinos e cenários reais (roupas, cenário dos atores);

* Conceito de diretor autor;

* Baixo orçamento.

Por fim, fala-se na grande importância deste movimento, mas por quê? A Nouvelle Vague é o exemplo por excelência de “movimento”: possui um objetivo estético e crítica com embasamento ao “antigo”. Foi também o primeiro movimento consciente da história do próprio cinema. No que se refere à influência, o movimento fez com que diretores de diversos movimentos posteriores sentissem mais conforto ao subverter/alterar a narrativa de suas produções, foi algo que ficou até muito natural dentro do legado do próprio cinema, no sentido de que abriu as portas para narrativas que não visassem apenas o entretenimento, mas que passasse algo reflexivo e/ou tocante de forma não convencional. Nessa perspectiva, muitos filmes cults atuais carregam heranças consolidadas do que a Nouvelle Vague pregou.

 

Filmes da Nouvelle Vague

1- Acossado (À Bout de Souffle) – 1960. Direção: Jean Luc Godard, baseado no roteiro de François Truffaut;

2- Jules e Jin (Jules et Jim) – 1962. Direção: François Truffaut;

3-Os incompreendidos (Les Quatre Cents Coups) – 1959. Direção: François Truffaut;

4- Hiroshima meu amor (Hiroshima mon amour) – 1959. Direção: Alain Resnais;

5- Paris nos Pertence (Paris nous appartient) – 1961. Direção: Jacques Rivette.

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(Filme: Acossado,cena clássica de jump cut – não tinha função narrativa clássica, apenas ficou bonito, aprazível).

 

CINEMA NOVO

Contexto Histórico (1960-1972)

O movimento cinematográfico denominado Cinema Novo ocorreu no Brasil e costuma ser dividido em três fases (de acordo com suas temáticas e diálogo com o contexto social).

De 1960 a 1964, situa-se a primeira fase. A segunda vai de 1965 a 1967 e a terceira, de 1968 a 1972. O marco inicial do Cinema Novo, no entanto, foi o primeiro Congresso Nacional do Cinema Brasileiro, ocorrido em 1952, no qual se discutiu sobre os objetivos de uma modernização do cinema do país, focado em uma estética mais realista e conectada à identidade política e cultural do povo brasileiro. Aliada a essas premissas, destacava-se uma crítica em relação à indústria cinematográfica brasileira então vigente, com seus filmes caros, previsíveis e pouco atentos às questões sociais do país.

Os diretores do Cinema novo propunham um cinema mais reflexivo, cuja estética discutisse as questões identitárias e políticas do momento, ou que fossem capazes de retratar de forma realista a sociedade e a cultura brasileira. Fazem parte deste movimento cineastas consagrados, como Glauber Rocha, Carlos Diegues, Anselmo Duarte, Nelson Pereira dos Santos, Ruy Guerra, Paulo Cesar Saracene e Joaquim Pedro de Andrade.

Do ponto de vista cinematográfico, o Cinema Novo foi claramente influenciado por dois movimentos, o Neorrealismo Italiano e a Nouvelle Vague. Os filmes se baseavam no lema “uma ideia na cabeça e uma câmera na mão” e eram produzidos de forma experimental, com movimentação de câmera reduzida, formato quase documental e com foco em diálogos e tramas com um inédito caráter de conscientização política.

O filme considerado precursor do Cinema Novo é Rio 40 Graus, de 1955, dirigido por Nelson Pereira dos Santos. O filme narra de forma realista a vida de cinco meninos de rua do Rio de Janeiro, que vendem amendoim pela cidade. Ao misturar atores profissionais e amadores em tomadas feitas pelas ruas do Rio, o filme retrata, sem idealizações, a pobreza e a corrupção na sociedade brasileira.

A primeira fase do Cinema Novo propriamente dito, a partir de 1960, tinha como principal temática os problemas da vida no sertão nordestino. Um filme que reflete bem esta fase é O pagador de promessas, de 1962, de Anselmo Duarte, que narra a vida de um homem humilde que transgride os valores morais da igreja católica ao carregar uma pesada cruz de madeira por um longo percurso, para pagar uma promessa feita num terreiro de candomblé. Outro filme impactante desta primeira fase é Deus e o Diabo na terra do Sol, dirigido por Glauber Rocha, em 1964, que retrata um faroeste político no sertão.

A primeira fase do Cinema Novo termina em 1964 e, em 1965, a segunda fase se inicia, refletindo o acontecimento político mais importante daquela década, claro, o golpe militar de 1964. As temáticas dos filmes nesse período refletem o discurso de ordem imposto pelo regime militar, além do investimento na produção brasileira conectada à ideologia do desenvolvimentismo adotada pelo novo governo. Talvez o filme mais emblemático dessa fase seja Terra em Transe, de 1967, dirigido por Glauber Rocha, que narra uma história de um sujeito em meio à corrupção e traições políticas num país fictício.

A terceira fase do Cinema Novo se inicia em 1968, quando os efeitos da censura tornavam quase impossível fazer filmes com teor político ou realistas demais. Assim, os diretores foram assumindo como temática a identidade brasileira, mais precisamente o exotismo da cultura nacional. A terceira fase do Cinema novo também foi influenciada pelo Tropicalismo, movimento estético-musical que mesclava a influencia de elementos estrangeiros e com ritmos, símbolos e instrumentos mais emblemáticos da identidade cultural brasileira. Um dos filmes mais relevantes dessa fase é a adaptação da obra de Mário de Andrade, Macunaíma, dirigido por Joaquim Pedro de Andrade, em 1969. Além dele, Como era gostoso o meu francês, de 1971, dirigido por Nelson Pereira dos Santos, é um dos mais populares filmes da época. Os filmes desta fase são notavelmente mais comerciais e alguns diretores fundadores do movimento, como Glauber Rocha, haviam saído do país para se livrar da perseguição política. Assim, enquanto movimento cinematográfico, o Cinema Novo se encerra em 1972.

 

Características

* Baixo orçamento (principalmente na primeira fase);

*Recusa de interesse comercial (principalmente na primeira fase);

* Influência técnica do Neorrealismo Italiano (vide texto parte 1) e da Nouvelle Vague;

* Ênfase em diálogos;

* Roteiros baseados em contextos sociais, regionalistas e com teor político.

O pagador de promessas (Filme: O Pagador de Promessas, retrata o regionalismo e questões sociais).

 

Filmes do Cinema Novo (primeira fase)

1- O Pagador de Promessas – 1962;

2- Deus e o Diabo na Terra do Sol – 1964; 3 Vidas Secas – 1963.

Filmes do Cinema Novo (segunda fase)

4- O Desafio – 1966;

5- A Grande Cidade – 1966;

6- Terra em Transe – 1967.

Filmes do Cinema Novo (terceira fase)

7- Macunaíma – 1969;

8- Como era gostoso o meu francês – 1971;

9- Os Herdeiros – 1970.

 

REFERÊNCIAS BORDWELL, David; THOMPSON, Kristin. A arte do cinema: Uma introdução. Tradução: Roberta Gregoli. Campinas: Editora Unicamp; São Paulo: Editora da USP, 2013.

Nerd: Bruna Basile

Uma garota perdida neste mundão de meu deabo. Formada em Filosofia (AMO) e Direito (se arrependimento matasse...) Atualmente faço cursos nas áreas de fotografia e roteiro (a menina sabe mesmo o que quer!). Tento atravessar a existência atenta às belezas desta vida em suas diversas manifestações e representações. Às vezes, essa beleza dói e é melancólica. Prazer!

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