Você já ouviu falar sobre a Síndrome de Asperger? Talvez conheça alguém com a síndrome, tenha visto matérias que a ligam ao Sheldon Cooper, Tim Burton, Keanu Reeves ou o Messi, ou já tenha jogado To The Moon, assistido a Mary & Max ou Adam, ou lido O Estranho Caso do Cachorro Morto, ou… Passarinha!
Se não sabe o que é, é exatamente para isso que Kathryn Erskine, a autora da história de Caitlin, escreveu o livro. Para trazer à luz a síndrome, para mostrar um pouco do mundo curioso de uma criança com Asperger, para que pudéssemos começar a entender sobre como essas pessoas um pouco diferentes lidam com o mundo – e o mais importante, como lidar com elas.
A Síndrome de Asperger é um transtorno de desenvolvimento que afeta a capacidade de se socializar e de se comunicar com eficiência, ou seja, o Aspie tem dificuldades para entender o que os outros sentem e pensam, não sabem como interagir de forma correta (evitam contato visual, não entendem ironias, gestos ou figuras de linguagem), tem interesses muito específicos… Os sintomas são diversos, mas são sempre na área de socialização e comunicação. E, apesar de o livro ter uma personagem feminina, a síndrome ocorre de 3 a 4 vezes mais em homens do que em mulheres.
Muito se fala sobre os portadores não terem a capacidade de sentir empatia, o que não é o caso: eles apenas não a sentem espontaneamente, não sabem entender o outro, mas podem aprender. É por isso que identificar a síndrome desde a infância é tão importante, para que possa ser acompanhada e tratada da maneira correta. É por isso que um livro como Passarinha é tão importante: para causar visibilidade, curiosidade sobre o tema. E, olha só que irônico, nos ajudar a criar empatia por aqueles que julgamos “estranhos, esquisitinhos, cheios de manias”. Muitas vezes, a criança (ou jovem, ou adulto) sofre maior isolamento porque, além dela não saber entender os outros, os outros não sabem entende-la, e ainda por cima a tratam com maldade por ser diferente. Passarinha nos mostra isso, de forma delicada e, ao mesmo tempo, impactante.
SINOPSE: No mundo de Caitlin, tudo é preto e branco. Qualquer coisa entre um e outro dá uma baita sensação de recreio no estômago e a obriga a fazer bicho de pelúcia. É isso que seu irmão, Devon, sempre tentou explicar às pessoas. Mas agora, depois do dia em que a vida desmoronou, seu pai, devastado, chora muito sem saber ao certo como lidar com isso. Ela quer ajudar o pai – a si mesma e todos a sua volta -, mas, sendo uma menina de dez anos de idade, autista, portadora da Síndrome de Asperger, ela não sabe como captar o sentido.
Caitlin, que não gosta de olhar para a pessoa nem que invadam seu espaço pessoal, se volta, então, para os livros e dicionários, que considera fáceis por estarem repletos de fatos, preto no branco. Após ler a definição da palavra desfecho, tem certeza de que é exatamente disso que ela e seu pai precisam. E Caitlin está determinada a consegui-lo. Seguindo o conselho do irmão, ela decide trabalhar nisso, o que a leva a descobrir que nem tudo é realmente preto e branco, afinal, o mundo é cheio de cores, confuso mas belo.
Um livro sobre compreender uns aos outros, repleto de empatia, com um desfecho comovente e encantador que levará o leitor às lágrimas e dará aos jovens um precioso vislumbre do mundo todo especial dessa menina extraordinária.
Vislumbre, essa é a palavra-chave. A trajetória de Caitlin é uma linda história – mas apenas uma, entre diversas outras. Li, em vários lugares, antes de comprar o livro, que a autora tinha feito com que conseguíssemos entrar na cabeça de alguém com a síndrome, para que finalmente entendêssemos como era ver as coisas pelos olhos de um indivíduo, de uma criança portadora. Mas não podemos nos esquecer de que cada caso é um caso, e o conjunto de sintomas varia muito de pessoa para pessoa: cada um pode apresentar certos sintomas que outro indivíduo não apresenta, e ainda pode ter graus de intensidade e gravidade diferentes, exigindo abordagens diferentes. Não podemos entender completamente como é a síndrome com a leitura, mas sim como é a vida de uma das pessoa com a síndrome.
Não podemos deixar de considerar que a condição de Caitlin na história não engloba apenas a SA, mas também a trágica morte do irmão. Ela tem que aprender a lidar e a superar não só os sintomas da síndrome, mas também a perda desoladora da única pessoa que parecia compreendê-la, enquanto tenta encontrar uma solução não apenas para a sua dor, mas para a de todos ao seu redor. Os sintomas do trauma também estão presentes e as reações e comportamentos de Caitlin podem confundir quem quer entender a síndrome.
Como a Síndrome de Asperger é uma condição relativamente nova, muitos estudos ainda são feitos para determinar sua causa e tratamentos adequados, e muita coisa – como classificação e sintomas – ainda está em andamento. O livro busca separar a síndrome do Autismo, o que já é considerado equivocado nos dias de hoje. Quando o livro foi publicado, em 2010, a síndrome ainda era considerada uma condição distinta. Mas, em 2013, passou a fazer parte do Transtorno do Espectro Autista e é considerada uma forma branda de Autismo, assim como o Autismo de Alta Funcionalidade – mas um é diferente do outro. Isso causa certa inconstância no modo como o livro é apresentado com o seu conteúdo, já que na própria biografia do autor, na segunda orelha do livro, diz-se que a autora “narra a história de uma menina autista”. Ainda há muito que ser estudado, por isso acho importante conscientizar as pessoas de que a síndrome vai além de Caitlin.
Passarinha nos conta uma história emocionante e envolvente, mas não podemos tomá-la como fonte absoluta para entendermos a mente de um portador da Síndrome de Asperger. O livro é apenas uma introdução ao assunto, como é uma introdução à jornada de Caitlin, e está longe de ser uma representação universal da síndrome. Se você se interessar pelo assunto, recomendo a leitura do Manual para Síndrome de Asperger, disponível no site do Instituto Pensi.
Caitlin deixou saudades, e muita curiosidade. É uma personagem cativante com uma trajetória ainda mais cativante, e gostaria muito de continuar acompanhando sua história. Bem que a autora podia aproveitar as novas descobertas e estudos e fazer outro livro, nos mostrar uma Caitlin mais velha, ainda enfrentando algumas dificuldades, mesmo com os acompanhamentos – porque mesmo com todo o acompanhamento, a síndrome é uma condição para toda a vida, e o portador ainda pode se sentir muito desconfortável e encontrar dificuldades em situações sociais. Muitos jovens e adultos sofrem em silêncio com a síndrome, sem saber porque são diferentes, por não ter conhecimento sobre a SA. A jornada de Caitlin com certeza não acabou ali, e seria um prazer reencontrá-la novamente, em novas páginas, em novas descobertas, lidando com novas dificuldades, conseguindo novas vitórias.
Para encerrar, deixo a fala do Dr. Tony Attwood, autoridade em Síndrome de Asperger e autor do livro The Complete Guide to Asperger’s Syndrome:
“Ao conhecer um indivíduo portador de Asperger e explicar o diagnóstico a ele, eu digo: Parabéns! Você é portador da Síndrome de Asperger. Você é diferente. Você não é louco, mau ou defeituoso, você só é diferente. É como ser canhoto em um mundo de destros”.
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