Depois de ser indicado a dois Oscar e levar dois deles para casa (um de Melhor Ator para Joaquin Phoenix, e outro de Melhor Trilha Sonora Original para Hildur Guõnadóttir), reassisti ao filme mais umas três vezes. Isso me fez notar algumas coisas que não havia observado antes, então trouxe aqui alguns pontos que observei – tanto no roteiro quanto na atuação magnífica do Joaquin Phoenix como Coringa.
A fragilidade de Arthur Fleck x Firmeza do Coringa
Durante o filme, percebemos que o Coringa vai lentamente tomando conta de Arthur Fleck, à medida que as dificuldades vão se apresentando e o personagem se vê cada vez mais sob o domínio de seu novo eu. E, incontáveis vezes, vemos Arthur correndo.
No começo a corrida é desesperada, desengonçada – tanto depois de cometer seu primeiro crime, quanto após fugir com os arquivos pelo Asilo Arkham. Já quando o Coringa finalmente sobressai na personalidade de Arthur Fleck, quando é necessário fugir, a corrida é assertiva. Não lembra em nada o frágil e solitário personagem do começo.
Isso também é representado durante as cenas dos lances de escadas. Aqueles são obstáculos que Arthur Fleck precisa enfrentar todos os dias. É uma subida sofrida e solitária.
Já o Coringa literalmente dança enquanto desce as escadas. Obstáculo que antes era uma representação de sofrimento. Isso também pode ser interpretado como a descida final de Arthur Fleck em direção ao caos.
A dança como mecanismo de compensação x forma de se expressar
Depois de um evento traumático, Arthur Fleck busca consolo na dança. A cena em que ele dança no banheiro é umas das mais macabras/bonitas do filme. Naquele momento, Arthur busca alento em seus movimentos lentos e quase calculados, algo completamente não condizente com o frenesi pelo qual ele passava apenas alguns minutos atrás. Aquele é seu mecanismo de compensação para lidar com os próprios atos.
E quando finalmente Coringa toma conta de sua personalidade, temos mais uma cena no banheiro, em que Arthur pinta o cabelo e novamente dança. Mas dessa vez ele o faz porque finalmente se sente confortável na própria pele. O que antes era quase um ritual para lidar com eventos traumáticos, agora se tornou uma maneira de expressar o que, para ele, pode ser chamado de felicidade.
Alegoria para supervilões vs super-heróis
Esse é apenas um pequeno detalhe. Uma pequena piada que colocaram no roteiro.
Logo no começo, quando Arthur imagina estar presente na plateia durante o show do Murray, o apresentador faz uma piada sobre o problema com os super-ratos em Gotham por causa do acúmulo de lixo.
“Todo mundo já ouviu falar dos super-ratos que há em Gotham, certo? Bem, hoje o prefeito disse que tem uma solução. Estão prontos? Supergatos!”
A piada é uma alegoria. Os super-ratos seriam os supervilões e os supergatos seriam os super-heróis.
Arthur Fleck revela que sofreu abusos no programa do Murray
No momento mais tenso do filme, logo após Arthur revelar que matou os três garotos no metrô, ele começa seu discurso sobre como as pessoas são rudes e não ligam umas para as outras.
A questão é que, em um momento específico do seu discurso, acredito que ele possa ter deixado escapar que sofria abusos de um dos namorados da própria mãe quando ainda era criança quando diz:
“Pensa que homens como Thomas Wayne sabem como é ser um cara igual a mim? Não sabem não. Eles acham que a gente vai ficar sentado e aguentar tudo, como meninos bonzinhos”
Dificuldade financeira de Arthur Fleck
Tudo bem, essa aqui não é novidade pra ninguém. Olhando o apartamento onde Arthur mora com sua mãe, fica claro que seu trabalho como palhaço não paga muito bem. Mas creio que a situação é um pouco pior do que parece.
Arthur é extremamente magro, mas sua mãe, apesar de debilitada, parece bem alimentada e saudável, até certo ponto, o que me leva a pensar que talvez Arthur possa estar deixando de comer para que possa alimentar a própria mãe. Penny também comenta sobre a magreza do filho em certo momento do filme.
Pegadas de sangue na cena final
Nos últimos minutos do filme, vemos o Coringa conversando com a psiquiatra do Asilo Arkham. Ele ri de uma piada que não conta a ela, e logo em seguida começa a cantar That`s Life, do Frank Sinatra. Em um trecho da música ele diz “Some people get their kicks /
Stompin’ on your dreams / But I don’t let it, let it get me down / ‘Cause this fine ol’ world keeps spinning ‘round”
A palavra stomping em inglês significa algo como “pisoteando”. E logo vemos o Coringa saindo da sala deixando pegadas de sangue pelo corredor branco. O que nos dá uma ideia macabra de como exatamente ele pode ter matado a mulher dentro da sala.
Coringa, do diretor Todd Phillips, é um filme cheio de atenção aos detalhes, tanto em questão de referência aos quadrinhos, quanto em pequenos pontos incorporados no roteiro ou em cena. E você? Tinha deixado passar algum desses detalhes?